O guitarrista Manuel de Oliveira lançou o seu novo disco “Entre-Lugar” no dia 13 de novembro. Em conversa com o ComUM, o artista falou dos vários convidados, do feedback dado pelo público e das principais dificuldades sentidas devido à pandemia, que veio mudar os planos iniciais deste trabalho dedicado ao seu pai.
ComUM- Como surgiu este novo álbum?
Manuel de Oliveira (MO) – Este novo disco era um disco que estava para ser gravado ao vivo. Estávamos a fazer uma tournée e o conceito do disco era um bocado esse. Ir sendo construído à medida que nós fossemos fazendo os concertos ou a digressão. Só que, entretanto, em março com toda esta situação pandémica, acabamos por mudar os planos fazendo todo o disco em estúdio. É um disco que vem na sequência. O último disco que lancei foi o “Ibéria Live”. Em 2017/18 estive a preparar composições para este novo disco e foi em 2019 que arrancamos com a tournée para iniciar as gravações. Apesar de todas as dificuldades que surgiram entretanto está aqui e isso é o mais importante.
ComUM-Este novo álbum tem vários artistas convidados. Os convidados já eram pensados ou com a oportunidade surgiu o convite?
MO- O núcleo criativo deste disco é constituído por 4 pessoas: eu, o Hélder Costa, produtor e músico. Neste álbum ele não toca, mas faz comigo a produção do disco. Depois o João Frade no acordeão e a Sandra Martins no violoncelo. Este é o núcleo artístico. Depois como convidados especiais temos as Maria Quê que é um projeto bracarense constituído pela Catarina Silva e a Juliana Ramalho que fazem a exploração do cancioneiro português e há uma homenagem ao Zeca Afonso do tema “Venham mais cinco”, uma versão que nós fizemos neste disco em que as Maria fazem um trabalho especial. Temos também o fadista Marco Rodrigues que canta a única canção que este disco incluiu que é um tema dedicado ao meu pai. Aliás, este disco é dedicado todo ele ao meu pai que foi também o meu mestre. Temos ainda o Marito Marques que é percursionista-baterista português que vive no Canadá e que acabou por fazer também uma participação especial.
O primeiro convidado artístico foi João Frade. Já é um músico com quem tenho partilhado alguns projetos ao longo dos anos e já tínhamos esta promessa mais ao menos implícita de que um dia iriamos fazer uma coisa mais partilhada. E mal me surgiu a ideia do novo disco, eu tinha já em mente trazê-lo. As outras pessoas foram surgindo ao longo do processo. O Hélder Costa, conheci recentemente e percebi que seria a pessoa certa para desenvolver comigo este trabalho porque partilha comigo esta paixão da exploração das músicas urbanas e das músicas tradicionais. Os outros convidados foram acontecendo, o trabalho criativo foi chamando os outros participantes.
ComUM-Como este disco tem um caráter mais pessoal, dada a homenagem ao seu pai, qual foi a reação/feedback do público a este trabalho, sendo que á ainda muito recente?
Para já a reação está a ser boa, apesar de ser ainda muito recente, tem cerca de uma semana. O feedback tem sido muito positivo mas neste momento ainda está a começar a chegar às pessoas, mas para já o feedback tem sido ótimo.
ComUM-Porquê o nome “Entre-Lugar”?
MO- O nome tem duas vertentes, uma mais pessoal que tem que ver com uma questão psicológica ou até mais filosófica. Está relacionado com uma vontade que eu tinha de fazer um trabalho mais partilhado, isto é, ao longo da minha carreira eu fui-me tornando “um pouco mais individualista” a fazer, a criar e a compor música. Preparava tudo e compunha as músicas sozinho e só quando estava tudo preparado é que nós começamos a chamar as pessoas, no fundo a estudar o contributo só apenas interpretativo.
Eu tinha então essa vontade de fazer um disco mais partilhado logo de raiz, portanto, quando começasse a fazer trabalho artístico gostaria que ele fosse logo a partir daí partilhado com outros artistas nomeadamente, este núcleo (do álbum). E é aqui que entra este conceito do “Entre-Lugar” que é um pouco o deslocamento do lugar mais individualista para um lugar com o outro.
O “Entre-Lugar”, depois do ponto de vista mais musical, mais criativo também. Está relacionado com a dificuldade de rotular a minha música. Não é fado, não é flamenco, não é apenas música popular portuguesa. Tem sido muito utilizado o conceito de músico-ibérico e da música ibérica em todas as coisas que eu vou fazendo porque de facto tem uma matriz muito forte tanto do flamenco como do fado e da música popular portuguesa. Mas acho que mesmo ainda assim colocar rótulos musicais acaba por ser sempre um pouco redutor e o nome do disco também remete para um entre lugar musical porque é um pouco a mistura de várias nacionalidades e de vários estilos. No fundo a minha música acaba por ser um pouco isso mesmo, uma espécie de lugar fronteiriço de fusão com outras culturas e outros parceiros. E essa diversidade é também visível nos vários instrumentos usados ao longo do novo álbum.
ComUM-Já lançou outros álbuns, nomeadamente o “Amarte” de 2006. O que traz de novo o “Entre-Lugar”?
MO- Este disco traz novos intervenientes que trazem outra riqueza naturalmente ao disco. Sob o ponto de vista da minha composição, acho que está mais madura, mais portuguesa (comparando com outros discos). Isto é até uma autocritica que não é fácil de fazer, mas acho que é por aqui. O meu primeiro disco, o Iberia em 2002 é muito virado para a fusão do flamenco com a música popular portuguesa e o Amarte também, este com um bocadinho mais de jazz. O “Entre-Lugar” vem mais para Portugal. Há aqui um aspeto a ter em conta que é a utilização da Braguesa, um instrumento bracarense, popular português que eu acabei por explorar muito neste trabalho. Já tinha explorado anteriormente no Ibéria e não voltei a tocar nesse instrumento. Neste trabalho há muito de braguesa.
Tem também um lado mais rústico da música popular portuguesa que traz ao disco uma cor diferente e tem também um pouco de música africana que tenho explorado nos últimos anos.
Acho que será mais fácil as pessoas ouvirem, tanto os meus trabalhos anteriores como o mais recente para perceberem essas nuances porque de resto, o caráter original é um pouco aquilo que é o carater original do meu estilo de tocar guitarra, de compor para guitarra.
ComUM- Mudanças na pandemia/desafios. No seu caso, quais foram as principais mudanças? E se tem concertos agendados até ao final do ano?
MO- O maior impacto foi de facto o cancelamento de concertos. Estamos a falar de mais ou menos 90% dos espetáculos. Estávamos a fazer uma digressão para gravação ao vivo, tínhamos diversos concertos marcados e foram quase todos eles cancelados, um ou outro foi adiado, uma coisa um bocadinho transversal neste meio. Neste momento tenho um concerto marcado até ao final do ano no dia 13 de dezembro na Póvoa de varzim no Teatro Garret inserido no festival “Soam as Guitarras” e tenho como convidado especial o Marco Rodrigues. É um concerto um bocadinho diferente, não é ainda a apresentação deste novo trabalho. De resto, é uma situação bem difícil aquela que estamos a viver.
A reação imediata foi transferir o trabalho para dentro do estúdio e até agora não paramos, fomos procurando não nos deixarmos ir abaixo com toda a situação pandémica e continuar a trabalhar com a esperança de que assim que tudo isto começar a melhorar nos também já temos um produto novo, um trabalho novo. De facto, o impacto é muito grande.
ComUM-Sendo o “Entre-Lugar” um projeto muito recente, já tem projetos futuros?
MO- Os projetos neste momento são muito centrados neste disco. A partir de agora vamos iniciar os contactos para montar uma digressão de apresentação deste disco fundamentalmente em trio com a Sandra Martins, no violoncelo e o João Frade no acordeão. Pontualmente, talvez consiga convidar o Marco Rodrigues ou outros artistas presentes neste disco. E é aí que estamos focados neste momento, em enviar propostas para os auditórios e programadores para nos próximos dois anos fazermos a turné e levar este disco o mais longe possível.