Com o Orçamento do Estado para 2021 ainda relativamente recente na ordem do dia, penso ser relevante falar do investimento (ou falta dele) no setor da Cultura. Esta é apenas mais uma das muitas demonstrações da falta de conhecimento do setor por parte do próprio Governo. O problema nasce da própria definição de Cultura. O que é, então, Cultura aos olhos do Estado Português? Até haver uma definição explícita do que é Cultura, será sempre um assunto difícil de debater e um setor ainda mais difícil de financiar e apoiar.

No entanto, a problemática que gostaria de apresentar é outra. É certo e sabido que o Estado e o Governo não estão cientes da quantidade de pessoas que são participantes diretos neste universo da Cultura. Seja na música clássica, no teatro, no cinema, no folclore, nas artes plásticas, nas pessoas responsáveis pelo som, pela luz, pela montagem do palco, nas pessoas responsáveis por acompanhar o público aos seus lugares, nos operadores de câmaras, nas pessoas responsáveis pela apresentação de um espetáculo, nos músicos, nos atores, nos artistas plásticos, nos escritores, vemos que são muitas bocas para alimentar. E não devo ter mencionado metade daqueles que vivem da e para a Cultura.

Com a pandemia de Covid-19, ficou claro para toda a população mundial que, em tempos de grandes e graves crises e de muito aperto, as sociedades voltam-se para a Cultura para encontrarem alento, para se encherem de coragem, alegria e inspiração. A Música, que é a minha área de formação, ouvia-se das varandas de casas e prédios, nas ruas, dentro das casas. Estava presente e dava-nos esperança, como se de um segundo fôlego se tratasse. Fôlego esse que nos parece faltar, que nos foi arrancado. A nós músicos, a nós artistas, a nós Cultura.

Se sentimos que atualmente o Estado e a própria sociedade não apoiam a Cultura e não apresentam aos que dela vivem futuros risonhos, com oportunidades dignas de trabalho e espaço para se apresentarem, como Presidente de uma Associação de Estudantes de Música, temo pelo meu futuro e o futuro dos meus colegas. Falando da área que conheço melhor, a Música, vejo pouquíssimas oportunidades de trabalho e vejo, todos os anos, centenas e centenas de músicos a saírem formados no Ensino Superior para o vazio. É esse vazio que me assusta e assusta os meus colegas. De que adianta saírem das Universidades entre 250 e 300 músicos formados se não há orquestras onde possam tocar, salas de espetáculos que os queiram receber ou público que os queira ouvir? De que adianta se somos vistos como quem não tinha jeito para mais nada, como entretenimento das elites ou como adereço de casamentos? De que adianta se já temos pouco com que sonhar e fantasiar e ainda nos cortam as asas?

É importante ir a espetáculos, é importante viver e reviver as tradições, é importante lermos, é importante ouvirmos música. É importante frequentarmos museus, é importante desfrutarmos de exposições. Para isso, a sociedade precisa de incentivo.E aí, o Estado pode ajudar. O Estado deve ajudar. Portugal não tem apenas potencial para o futebol. Temos ótimos artistas que merecem o nosso reconhecimento. A Cultura é o espelho de uma sociedade. Numa altura em que é imperativo sermos agentes de saúde pública, é importante sermos também agentes da Cultura.