Björk Guðmundsdóttir comemora este sábado 55 anos. Com um Polar Music Prize no bolso, a islandesa é cantora, compositora, instrumentista e produtora musical. Chegou a marcar presença no cinema, tendo levado para casa o Prémio de Melhor Atriz no Festival de Cannes em 2010. Com nove álbuns de estúdio e duas bandas-sonoras no repertório, estas cinco décadas dão pano para mangas.
Reykjavik viu nascer Björk em 1955, filha de um líder sindical e uma ambientalista que se separaram pouco mais tarde. Criada pela mãe, cresceu ao lado do padrasto e dos meios-irmãos. Aos onze anos começou a estudar piano e não tardou em receber a primeira proposta para um contrato de gravação quando um representante da editora Fálkinn a ouviu a tocar um clássico.
Um ano mais tarde saía Björk. Em estúdio, assina sem letra capital, mas desde pequena que se prova mulher com ‘M’ grande: recebia, aos doze anos, um disco de platina. Depois, seguiu-se um processo de tentativa e erro: do gosto pelo punk surgiram as Spit and Snot, uma banda feminina que a recebeu como baterista e, pouco depois, líder.
Não demorou até chegar ao pós-punk com a banda Exodus, que durou menos do que um filme do Lars Von Trier, com quem viria a trabalhar mais tarde. Exodus deram um concerto na televisão e separaram-se a seguir, mas a curiosidade não saciou e seguiram-se Jam-80. Tendo feito uma única digressão com este grupo, conseguiu apurar alguma experiência nas desenvolturas musicais.
Incansável, Tappi Tíkarrass tomaram lugar e, aí, com dois álbuns de estúdio, Björk começava a despertar o interesse dos média. A meio dos anos 80, descobriu que estava grávida, mas não desistiu da vida na estrada com a banda KUKL. Gravou mais dois álbuns e, quando o grupo decidiu separar-se, Björk ingressou em The Elgar Sisters. Pouco depois, nasciam The Sugarcubes, ousadas e irreverentes.
“Ammæli”, ou aniversário, é o nome do primeiro single da banda e causou um burburinho simpático entre os críticos. Em 1988, lançavam Life’s Too Good e, com a vida a sorrir-lhe, a banda aproveitou o balanço para criar Smekkleysa. Até hoje, é uma das mais relevantes editoras islandesas, inicialmente com o propósito de publicar outras bandas e até poesia e livros internacionais.
Entretanto, The Sugarcubes lançaram “Here, Today, Tomorrow, Next Week!, mas os cinco minutos de fama esvaíam-se aos poucos e, com eles, a união da banda. Em 1990, Björk pairou sobre o jazz com Trio Guðmundar Ingólfssonar. Imparável e sem fronteiras, no ano seguinte sondava as sonoridades techno e acid house, em colaboração com os 808 State, no disco Ex:el.
O derradeiro fim de The Sugarcubes deu-se em 1992 e Björk mantinha-se fiel aos ritmos incisivos das máquinas de 808 State. Antes de se mudar para Londres e finalmente se consagrar como uma das grandes estrelas da música alternativa, Björk chegou a gravar Ooops, com Nellee Hooper, um dos produtores musicais mais aclamados da altura.
O experimentalismo começava a erguer-se em terras londrinas. No caldeirão, Bjork misturava jazz, funk, acid dance e offbeat, que rematava com uma produção ao lado de Hooper. Da poção saiu Debut e o reconhecimento unânime da crítica, num feitiço que se destaca na génese do trip-hop como um dos principais álbuns do início do movimento.
Ponto de confluência de inúmeras experiências e inspirações, não demorou a marcar presença no Top 10 britânico com vários singles, entre os quais “Human Behaviour”. Entretanto, participou na produção de “Play Dead”, feita especialmente para o filme The Young Americans (1993) e escreveu “Bedtime Story”, tema-essência do sexto álbum de Madonna.
Em 1994, Debut regressava como forma de manifesto. Reinventado em remisturas, Björk lançou uma nova edição especialmente para gravadoras independentes. Durante o mesmo ano, trabalhou com Tricky, Howie B., Graham Massey e Marius de Vries, na fase de fermentação daquele que viria a ser um dos seus melhores álbuns: Post.
Há mais de três milhões de exemplares de Post em todo o mundo. Vanguardista e intrépida, a narrativa sónica dissolve-se com a fusão de jazz, eletrónica e toques de hip-hop. “Army of Me” e “It’s Oh So Quiet”, inspirado na Broadway, elevaram a islandesa ao primeiro lugar do pódio um pouco por todo o mundo, principalmente na Europa.
Aos 31 anos, lançava Homogenic, um longa-duração pop cujo nome deriva da semelhança entre todas as faixas. Rapidamente deixou de se identificar com este trabalho, mas serve de teletransporte até ao coração da Islândia. Os elementos high-tech aliam-se numa dança sinuosa aos instrumentos de cordas para darem som à melancolia da terra natal de Björk.
Vespertine surgia quatro anos mais tarde, com orquestras, coros, vocais impetuosas e a vulnerabilidade como palavra de ordem. Em colaboração com Matmos, DJ Thomas Knak e a harpista Zeena Parkins, Björk reuniu obras de E. E. Cummings, Harmony Korine e Sarah Kane para as embrulhar numa canção que embala quando a noite cai. A tour fez-se entre salões de ópera e teatros, à medida que “Hidden Place”, “Pagan Poetry” e “Cocoon” se mostravam êxitos comprovados.
A MTV queria dar Björk à audiência, mas Björk não ligava às regras do politicamente correto. O videoclip de “Pagan Poetry” não é tímido: o grafismo desenha-se com piercings e mamilos expostos (femininos, daí a polémica) e a aguarela traça imagens distorcidas de relações sexuais. Obviamente, a MTV censurou estas partes nas raras vezes que passou o videoclip, reservando a visualização integral para o programa “Os clips mais controversos”.
Seguiram-se Medúlla (2004), Volta (2007), Biophilia (2011), e, mais recentemente, Vulnicura e Utopia, em 2014 e 2017, respetivamente. Os dois últimos representam extremos de um espectro. Vulnicura arde nas trevas do inferno enquanto Utopia eleva o espírito à serenidade e ao sossego. Descrito pela própria Björk como um “álbum Tinder”, em Utopia, a procura do amor e a matéria da paixão ganham contornos sonoros que se erguem ao estado de sonho quando o fascínio é correspondido.
Mas nem só de música se faz Björk. Em 1990, estreou-se no grande ecrã sob a pele de Margit em Juniper Tree, um filme baseado no conto homónimo dos Irmãos Grimm. Antes do virar do milénio, escreveu e produziu a dimensão sónica do filme Dancer In The Dark (2000). Quando o diretor, Lars von Trier, pôs os ouvidos na banda-sonora que Björk acabara de desenhar, pediu-lhe que interpretasse a protagonista. A resposta foi sim.
Seguiram-se filmagens e experiências extenuantes, que a 53.ª edição do Festival de Cannes veio parabenizar com uma Palma D’Ouro e o Prémio de Melhor Atriz para Björk. A banda-sonora eternizou-se em CD com o título Selmasongs, no qual partilha um dueto com Thom Yorke que foi nomeado para o Óscar de Melhor Canção em 2001. Na cerimónia, Björk envergava o icónico vestido-cisne, mais tarde leiloado no e-Bay para financiar obras de caridade.
Entre toda uma vida de feitos inconformados e inigualáveis, Björk recusou atuar em Israel em consciência para com a Palestina. Viu ainda um concerto cancelado na China após dedicar “Declare Independence” ao Tibete, algo que gritou a pulmões abertos em Xangai antes que o Ministro da Cultura interviesse com medidas legais.
Björk comemora cinco décadas e meia de ousadia na vanguarda. Incontornável, tem em si não só todos os sonhos do mundo como também arte, justiça e uma garra que a torna numa autêntica viking dos tempos modernos. E que a luta continue.