Uma palavra começada por N é o novo álbum de Noiserv, que vem sendo desvendado ao longo deste ano e culmina a 25 de setembro, com a divulgação completa das 11 faixas. Um disco em círculo que solicita uma escuta atenta e inquieta, não fosse desenvolvido pelo “homem-orquestra” com o intuito de criar uma sinfonia desafinada de visões.

O disco, todo em português, é particular pelo conceito das canções, ao sugerir ao ouvinte diversas formas de olhar para uma mesma realidade. Completa assim a ideia de que aquilo que vemos e do nosso entendimento sobre o mundo, dependem igualmente do lugar de onde o olhamos e daquilo que absorvemos dele.

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As 11 canções exibem o Noiserv desconhecido do público, através da estética singular e cautelosa presente nos videoclipes. Esse trabalho gráfico é feito por Nuno Sarmento, que ajudou a transmitir o conceito da multiplicidade de interpretações que se retiram. Dessa forma, é livre o conteúdo que se extrai do visionamento de cada um.

Algumas das músicas são descritas, pelos ouvintes nos comentários, como agradavelmente desconfortáveis. Esta dicotomia é assídua no álbum, pela junção de diferentes ruídos e combinações de instrumentos que inicialmente arranham o ouvido, mas que rapidamente se traduzem numa confortável experiência sonora. Na generalidade, as letras são curtas, mas intensas. A repetição de alguns versos é comum, persistindo numa ideia, num tom teimoso de assimilação e introspeção.

Numa era em que o desconhecimento de si abunda como premissa principal na vida cotidiana, o disco vem reforçar essa racionalização constante e perturbadora. Vivemos todos apoquentados pelas dúvidas filosóficas que vêm sendo postas em cima da mesa ao longo dos tempos modernos, porque há uma maior abertura para fazê-lo. Surgem pensamentos abstratos, mas concretos nas letras, tais como: “Porque nunca vês o que nunca te dói!”; ”Não estar, é perto de ser o que eu não fui”.

Na primeira música, “Eram 27 Metros de Salto”, assistimos a um turbilhão intelectual exteriorizado corporeamente e refletido numa vida cansada. É seguida por “Mas” e “Parou”, que oticamente intrigam e conduzem-nos para uma reflexão intimista, algo que está presente em todo o álbum, mas em particular nestas duas faixas.

Meio”, é uma faixa de pausa, essencialmente instrumental, que nos prepara para uma espécie de transição. Entre “Picotado” e “Neutro” deparamo-nos com uma análise profunda do “eu”. Começando pela visão de si, passando pela encenação total e acabando na frustração de ser neutro, com o intuito de sermos o que pensamos que os outros esperam de nós. Igualmente melancólicas, “Sem Tempo” e “Por Arrasto”, as músicas que fecham o álbum, relatam a abulia com que se leva a vida. Apelando à perda do cansaço, que é caracterizada como uma forma de acordar.

Em todas as músicas uma figura é detentora de um post-it com o nome da faixa. A última, “Sempre Rente ao Chão”, é o desabar de todas elas, percetível no cenário principal que engloba os cenários, imaginariamente compartimentados, de cada uma. No videoclipe da canção, entende-se que todos os outros vídeos foram também ali criados. Nasceram todos do mesmo espaço, embora em planos diferentes. Dando, então, nexo e corpo à formulação das diferentes perceções.

O álbum é pesado, melódica e liricamente. Forte, compacto e montanhoso. Intencionalmente ou não, os títulos de cada canção formam uma frase que resume o disco da melhor forma: Eram 27 Metros de Salto, Mas Parou Meio Picotado Neste Andar Neutro Sem Tempo Por Arrasto Sempre Rente ao Chão.