Se há coisa que aprendemos desde cedo em Direito é que a sociedade em que vivemos é baseada num sistema complexo, equilibrado em pilares que asseguram que a criação de leis, a sua execução e a sua fiscalização são independentes umas das outras. Sabemos também que o egoísmo natural do ser humano é controlado por uma subordinação ao Estado de Direito, à democracia e aos direitos humanos.

Desde a Constituição a inúmeros códigos e volumes de legislação aprovada ou vigente, jurisprudência dos mais respeitados tribunais e doutrina dos mais prestigiados académicos, são infindáveis os pequenos toques e particularidades com que revestimos as regras cujo fardo assumimos quando vivemos em sociedade. Ora, acontece que por mais que tudo isto esteja bem construído e que todas as brechas na barragem estejam tapadas e revestidas, existe um flagelo que nem o mais bem-intencionado legislador ou o mais justo magistrado parecem conseguir combater e que, lentamente, pode erodir o sistema em frente dos nossos olhos: a apatia.

A apatia é a maior ameaça que o nosso modelo de democracia ocidental alguma vez enfrentou. Todo o sistema é desenhado em volta de uma única coisa, a participação cívica, sem a qual todas as nossas defesas perante o egoísmo desabam como castelos de cartas ao vento. Se o cidadão não quiser saber de como ou quem o governa, dos mecanismos pelos quais pode exercer os seus direitos, ou mesmo quais são, e qual o seu dever para com a sociedade, então lentamente as engrenagens da democracia deixam de rodar.

Com o alheamento e desinformação das populações, gera-se uma indiferença perante os atores e partes do sistema que nos sustenta, o que por sua vez piora o seu funcionamento e gera ainda mais alheamento e, portanto, ignorância. Este ciclo sem fim não pode ser quebrado senão pela informação de cada um sobre como os nossos sistemas políticos, administrativos e judiciais funcionam e pela procura da ação sobre estes, sob a forma que for possível a cada um. A apatia que atualmente verificamos à nossa volta, inclusive nas camadas mais jovens, é um fenómeno preocupante e que deverá ser levado a sério, como vírus contagioso.

Este fenómeno é particularmente feroz na sua destruição de algo essencial para a manutenção e melhoramento do nosso sistema: o espírito democrático. Isto é, a noção de que o sistema existe não apenas para criar ordem do caos, mas também para fornecer a cada um uma existência justa e condigna, pelo que deve ser usado para proteger os cidadãos e não para explorar as vontade de cada um.

Uma vez que o ser humano não é uma criatura puramente racional, e como não se pode deixar reger apenas por emoções, mas não sendo verdadeiramente humano aquele que não sente, como as decisões impactantes não podem, portanto, as ser tomadas por autómatos, é no espírito democrático que nos refugiamos. Porque é no espírito democrático que mantemos o equilíbrio, para assegurar que não somos apenas fanáticos que valorizam uma linha de texto formalmente aprovado e tido como acima de uma vida, mas cidadãos que protegem as regras quando e porque estas protegem as pessoas.

Acontece que, sem intervenção cívica, não há interiorização deste espírito, apenas uma habituação ao usufruto do sistema, na vertente mais conveniente para nosso benefício pessoal, sendo ele inútil quando não nos favorece e sendo tolos aqueles que não procuram usufruir dele. Assim se criam oligarquias, que apesar de inevitáveis em qualquer sistema, devem ser ativa e constantemente combatidas, qual ferrugem numa máquina deixada ao vento e com a qual esta não consegue funcionar.

Onde seria de esperar que fosse possível exaltar este espírito democrático, de intervenção, de ideal acima do utilitarismo? Na universidade, ora essa! O mesmo local onde rotineiramente vemos desconstruído o amor à democracia, onde a intervenção estudantil é limitada e ativamente desencorajada, onde a própria estrutura orgânica, consagrada num regimento jurídico verdadeiramente castrador, parece gritar a cada um que a sua voz não interessa, onde a competitividade e o individualismo se apresentam como reinantes. Desde o sistema fundacional às eleições reitorais, passando pelo desinvestimento crónico, não parece ser nas universidades que a apatia é combatida, apesar dos esforços de muitos bravos que dedicam o seu tempo a esse combate.

De que necessitamos, portanto, não existindo soluções mágicas para problemas complexos? Acima de tudo, de ação, de palavras a gastar na defesa de intervenção num sistema que apenas pode funcionar se ativamente procurarmos interagir com ele. Isto passa por discutir o que nos rodeia, por descobrir quais os nossos direitos e deveres, por reivindicar as necessidades que não estão a ser supridas, por ir votar sempre que a oportunidade se apresentar, por falar e ouvir em todo e qualquer fórum que nos esteja disponível, por querer saber, em suma, não apenas de nós mas dos outros também.

Se não encorajarmos a defesa da democracia e do espírito democrático nas universidades, então estaremos a dar origem a uma geração altamente qualificada e altamente indiferente. Não querendo cair em frases batidas e lugares comuns, arrisco-me a questionar: se não nós, quem? Se não agora, quando?