Cândido Ou Otimismo, escrita pelo filósofo francês, em 1975, explora a filosofia de Leibnz com uma boa dose de sátira. Os costumes da época são criticados, as aventuras acontecem e ainda há espaço para uma dose de romance. Escrita durante o Iluminismo, esta é uma obra obrigatória para os amantes de filosofia e para quem quiser aprofundar o seu conhecimento acerca desta época.

A obra possuiu uma base filosófica muito forte, área na qual não sou especializada, pelo que se tornou desafiante fazer uma crítica assertiva. Não é de todo uma obra que se possa analisar levianamente. Por conseguinte, é pertinente contextualizar o leitor acerca do que será tratado. O livro é baseado no otimismo, orientação veiculada pelo filósofo alemão Leibnz. Este filósofo defendeu que Deus é perfeito e sendo o autor de tudo, criou o “melhor mundo possível”. Neste mundo existe um balanço entre o bem e o mal. Por conseguinte, qualquer coisa que aconteça é considerada o menor dos males, pois vivemos no melhor do mundo possível. Voltaire, filósofo e autor deste livro, interessava-se pelo otimismo de Leibnz e é a partir daqui que o seu livro é construído.

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A história acompanha a vida de Cândido, personagem assim nomeada graças à sua personalidade tranquila e um tanto ingénua. Cândido é um jovem oriundo da Alemanha, criado num castelo junto de uma família fidalga. No castelo viviam o barão, a senhora baronesa e os seus dois filhos. A filha mais nova do casal chamava-se Cunegundes e era a paixão secreta de Cândido. O protagonista também partilhava o castelo com Pangloss, filósofo de profissão, que era o oráculo da casa e era-lhe incumbida a função de ensinar a família. O filósofo acreditava no otimismo de Leibniz e transmitia os seus ensinamentos a Cândido. A ideia do jardim de Éden também está presente neste livro e é metaforicamente representada a partir da juventude de Cândido. O rapaz era forte e saudável, tinha acesso a ensino e cultura, possuía conforto material e vivia rodeado de harmonia.

A reviravolta na narrativa dá-se quando Cândido, perdido de amores pela bela Cunegundes, beija-a e são apanhados. O rapaz sofre como consequência ser expulso do castelo. A partir deste episódio, começam as aventuras e dissabores de Cândido e são relatadas as suas viagens pelo mundo. O otimismo que o protagonista possuía, e que outrora lhe tinha sido incutido por Pangloss, vai desvanecendo à medida que se cruza com diferentes pessoas e vê a verdadeira faceta trágica do mundo. Pangloss vai aparecendo ao longo das aventuras de Cândido e defende sempre o seu pensamento “tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis.” Contudo, no fim da história o próprio filósofo percebe que o pensamento que defendia exaustivamente não era inteiramente aplicável e troca-o para “devemos cultivar o nosso jardim.”

A obra é bastante romanceada e, por isso, mesmo sem qualquer contexto filosófico ou histórico é possível tirar proveito da mesma. O enredo é interessante, mas o livro peca pela falta de profundidade das personagens que dificulta o processo de ligação entre leitor e personagem. Porém, como o intuito máximo da obra era realizar uma sátira, a profundidade das personagens acaba por ser um aspeto menos relevante, pois Cândido Ou Otimismo: Uma Sátira por Voltaire acaba a cumprir a sua função crítica.

Como personagem favorita posso destacar Pangloss que acaba por ser um elemento chave para a compreensão do livro. De entre as críticas tecidas na obra, podemos destacar o estado da arte e cultura que, na ótica do autor, se encontravam em declínio na época. Talvez a ideia que considero mais interessante seja a de que os filósofos encontram dificuldade na defesa das suas ideias. Torna-se difícil defender uma ideia quando percebemos que a mesma é impraticável. O próprio Pangloss percebe isso com todas as amarguras que enfrenta no decorrer da história.

Como ponto negativo é fundamental destacar as referências racistas e machistas presentes neste livro. Ainda que tenha consciência que as obras devem ser analisas à luz da época histórica em que se inserem, os leitores devem estar prevenidos perante estas referências. É possível inferir que Cândido Ou Otimismo: Uma Sátira por Voltaire é uma obra complexa e que padece de algum contexto social, histórico e filosófico para ser corretamente interpretada. Ainda que não tenha sido a leitura mais agradável de sempre é um livro que vale a pena pelo seu valor filosófico e satírico.