Os Sopranos estreou em 1999 e possui seis temporadas. A série mistura o drama, o crime e a saúde mental e oferece ao espectador uma aventura peculiar. Prestigiada e de renome, a obra cinematográfica ganhou cinco Globos de Ouro e 21 Emmys.
No cinema e na televisão das últimas décadas, o tema da saúde mental tem sido recorrentemente abordado. Contudo, não faltam exemplos de abordagens consideradas redutoras, ofensivas ou até discriminatórias, especialmente quando as doenças mentais são usadas como ferramentas para retratar a maldade de uma forma pseudo-exótica.
A série Os Sopranos surge como uma refrescante mudança de paradigma na forma como aborda o tema, especialmente tendo sido gravada entre 1999 e 2007. Nessa altura, muitas das formas hoje consideradas problemáticas de abordar a temática eram ainda amplamente aceites pelo público e, acima de tudo, pelos grandes responsáveis pelo financiamento, produção e difusão de séries televisivas, como o caso da HBO. Para além de abordar a terapia psiquiátrica, a medicação e os distúrbios mentais de uma forma consciente, a série tem ainda a peculiaridade de explorar estes assuntos através da perspetiva de um chefe da máfia italiana. Deste modo, alia a componente de drama psicológico a uma elaborada trama criminal.
Mas a fusão temática d’Os Sopranos não acaba aqui. Apesar do elemento de humanização em dramas de crime não ser de todo um exclusivo desta série, importa referir que a forma como esta humanização é feita é bastante especial, especialmente tendo mais uma vez em conta a altura onde foi produzida e difundida televisivamente. Isto acontece, um pouco como em Mad Men (2007), através da exposição da “vida dupla” do personagem principal sem secundarizar nenhum dos dois lados, usando essa dualidade para criar contraste.
Em vez de apresentar a vida familiar de Tony Soprano como um acessório narrativo com o propósito único de tornar Tony numa personagem mais enfatizável, a narrativa funde-a com componente mais “sombria” da sua vida: o crime organizado. As pontes que unem estas duas facetas muito distintas de Tony Soprano são precisamente as suas idas à psiquiatra, Jennifer Melfi. As consultas surgem simultaneamente como uma das grandes ajudas da vida de Tony, mas também como uma fonte de complicações.
No panorama familiar, a terapia é vista como benéfica para a saúde de Tony, principalmente porque surge após uma série de sintomas negativos, como ataques de pânico e desmaios. Contudo, quando membros do crime organizado associados a Tony tomam conhecimento disto, interpretam a terapia como um sinal de fraqueza e, à boa maneira dos dramas mafiosos, usam isso como pretexto para tentar matar o protagonista.
A abordagem feita ao preconceito à volta da doença mental é interessante porque, ao invés de instrumentalizar o tópico para servir propósitos narrativos, o assunto é explorado com bastante profundidade. As mudanças de opinião acerca da terapia, tanto do próprio protagonista como de várias outras personagens, são frequentes. Além disso, em vez de cingir-se à análise psicológica do problema inicial de Tony, evolui explorando o impacto que vários dos eventos ao longo da série têm na saúde mental do próprio.
Os distúrbios de outras personagens, como o transtorno de personalidade borderline da mãe de Tony, também são recorrentemente abordados, bem como o impacto que têm na personalidade e na vida do filho. Todos estes fatores acabam por ter um impacto decisivo em muitos dos momentos de tensão da série.
Para lubrificar a interação entre a vida familiar e a vida familiar (no sentido Cosa Nostra da palavra), muitos dos elementos dramáticos presentes na história atravessam uma espécie de fronteira imaginária, que separa a atividade familiar, dita “normal”, e a criminosa. Estas interações, sempre algures num espectro entre a ternura e a violência, conferem à série a aura de dramatismo e acrescentam impacto aos momentos de quebra de confiança. O cliché intriguista da caça ao bufo, a traição matrimonial e a clássica vendetta são narrativas que não eram inéditas no grande ecrã, mas o contraste desses elementos com a análise psicológica aprofundada presente na série é o que faz dela tão única.
Esta fusão de elementos, e a forma cuidada como é feita, renderam ao guião d’Os Sopranos, bem como à série em si, os mais variados clamores por parte da imprensa e da crítica especializada. A série foi considerada em 2013 pela Writer’s Guild of America como a mais bem escrita de todos os tempos. Além disso, foi também considerada a melhor série de televisão de todos os tempos pela revista Rolling Stone e pela TV Guide.
Como se isso não bastasse, foi classificada pelo jornal The Guardian como a melhor série de TV do século 21. Mas o prestígio não para aqui. Para além do clamor mediático, as primeiras duas temporadas da série foram vencedoras do prémio George Foster Peabody, ganhou cinco Globos de Ouro e 21 Emmys. Estes e muitos outros motivos fizeram e fazem d’Os Sopranos uma das ofertas irrecusáveis do mundo das séries televisivas.