A pandemia, a relação entre a Cultura e a Educação e o Orçamento de Estado foram os assuntos-chave abordados pelas vereadoras da Cultura de Braga e de Guimarães.

Em Braga, quem coordena as pastas da Cultura e da Educação é Lídia Dias. Na cidade com “um dos arquivos mais antigos de Portugal”, uma das competências da vereadora é “deixá-lo organizado, para que esteja disponível a todos os investigadores que o queiram consultar”. Atualmente, numa agenda condicionada pela Covid-19, “não perder o público já conquistado e que esse público continue a ir às salas de espetáculos” é um novo desafio. “Está a ser um trabalho muito exigente”, admite Lídia Dias.

Na cidade berço, este papel é desempenhado por Adelina Pinto que, às pastas da Educação e da Cultura, junta as da Biblioteca e Arquivos, Relações Públicas e Relações Internacionais. “É um dia-a-dia de grande complexidade”, afirma a atual vereadora e antiga professora. É no sentido de estabelecer uma relação próxima entre o ensino e a Cultura que Adelina Pinto chega ao cargo de vereadora. “A Cultura aparece porque no mandato anterior eu fui fazendo uma grande ligação entre a Educação e a Cultura”, admite. “Temos, por isso, desde 2014, uma série de projetos já muito sustentados nas escolas e, portanto, hoje, a Cultura ocupa grande parte do meu tempo”.

A verdade é que dissociar a Cultura da atual pandemia é inconcebível. “A Cultura, enquanto espetáculo, é o lado mais frágil do tempo que vivemos, sobretudo aquela do processo de criação”, afirma Lídia Dias.  Dá, desta forma, destaque aos “que trabalham na construção de espetáculos”, que “vivem os momentos mais difíceis de subsistência porque a própria indefinição dos dias coloca tudo em causa”.

Face às adversidades, o município de Guimarães agiu junto dos profissionais da Cultura que, segundo Adelina Pinto, mais sofreram com a pandemia. “Em março, eu e o Sr. Presidente juntamo-nos, em reunião, com cerca de 20 pessoas que simbolicamente representam a Cultura em Guimarães”, revela a vereadora. “Aquilo que eles queriam não era subsídios, era trabalho. Por isso, o que temos feito é pagar pelo trabalho”.

“Aquilo que eles queriam não era subsídios, era trabalho”

Adelina Pinto

Para além da contratação de técnicos de som, técnicos de luz, designers, pintores e músicos para trabalhos avulso, a câmara de Guimarães criou uma plataforma que visa a promoção dos artistas vimaranenses. “O que fizemos foi pedir a todos os que, de alguma forma, trabalhassem na Cultura, que se registassem numa plataforma para criar uma base de dados e tínhamos cerca de 220 pessoas das várias áreas”, conta Adelina. “Penso que isto cobre uma percentagem significativa, mas acredito que há, ainda, um número de pessoas que, por várias razões não responderam ao inquérito”, acrescenta.

Apesar destes apoios, Adelina Pinto confessa não estar “confortável”, mas admite que o município foi tentando ajudar o máximo de pessoas possível. “Esta ajuda é um ‘penso’, não é uma resolução. Tentamos, em primeiro, ajudar a manter a Cultura – o que é uma responsabilidade – e, em segundo, ajudar a que algumas pessoas vão tendo efetivamente trabalho”, sublinha a vereadora.

As adaptações face à pandemia

Para garantir a sobrevivência da Cultura nas duas terras minhotas, muitas foram as adaptações feitas. Em Braga, na Casa dos Crivos e no Museu da Imagem, as exposições foram adaptadas para o online, “algumas até foram propositadamente feitas para estar online e poderem chegar a um público mais vasto”. Até o Theatro Circo fez a comemoração do seu aniversário com um espetáculo online, que juntou diferentes artistas e onde “todos foram pagos”. “Não podia ser de outra maneira”, garante a vereadora da Cultura.

Em Guimarães, a 29ª edição do Guimarães Jazz decorreu de forma diferente da inicialmente pensada. “Pretendíamos convidar artistas americanos e canadianos, mas cancelamos, logo no início da pandemia, porque percebemos que seria muito difícil receber artistas de outros continentes em novembro”, realça Adelina Pinto. A Oficina – corporativa responsável pela organização do evento – optou por convidar artistas jazz nacionais e artistas jazz internacionais que vivem em Portugal. “Depois veio o plano C adaptado às restrições de mobilidade na via pública. À semana fizemos às 19h30 e ao fim-de-semana às 10h30. Foi muito interessante. Tivemos sempre salas muito confortáveis, não tão cheias como as que estávamos habituados”, acrescenta.

No sétimo Estado de Emergência, os espaços culturais continuam a lutar, adaptando os seus horários para a parte da tarde ou fins-de-semana de manhã para evitar cancelamentos de espetáculos. Lídia Dias sublinha o lado positivo: “Creio que, desde que houve a necessidade de alterar os espetáculos da noite, até se viu isto como uma oportunidade futura para transformar velhos hábitos: espetáculos de fins de dia ou que as pessoas não tenham de sair de casa ou que o espetáculo não vá noite dentro”.

Todavia, nestas circunstâncias, há que dar palco a quem luta para permanecer em cima dele. “Nós mantivemos todos os apoios que tínhamos previstos para 2020”, salvaguarda Lídia Dias. Acrescenta que a informação transmitida pelas pessoas da área “é de uma perda de rendimentos nuns mais considerável que noutros”. Em reuniões com as instituições e grupos bracarenses, Lídia Dias diz que para muitos “2020 seria um ano de estabilização, um ano muito generoso, pois os últimos anos foram de crescimento”.

A Educação e a Cultura de mãos dadas

A forma mais fácil de apoiar a Cultura e os que nela trabalham é estar presente: no teatro, nas exposições, nos museus e nos espetáculos. Contudo, estes espaços ainda são vistos como elitistas, luxuosos, desnecessários e, graças à pandemia, pouco seguros. Adelina Pinto aponta a Cultura como “algo importante para a construção do novo cidadão”, realçando a forma como estimula, põe em causa e questiona as nossas crenças. Desta forma, “não pode ser vista como algo supérfluo e luxuoso”, acrescenta.

Segundo Adelina Pinto, este preconceito em relação à Cultura é consequência direta do período ditatorial português. “Não podemos esquecer-nos que temos apenas quarenta e poucos anos de liberdade, há toda uma geração que não foi estimulada nesse sentido”, afirma. A vereadora relembra, ainda, a sua experiência pessoal: “Nasci 10 anos antes do 25 de abril e lembro-me de ter de me esconder para ler, a minha mãe achava que era uma perda de tempo. Hoje perdemos leitores por fazermos muita pressão para que os miúdos leiam.”

Para Lídia Dias, mais do que a presença em espaços culturais, é a compreensão das manifestações artísticas que faz a diferença: “A dificuldade não é só transpor as portas de um teatro, a dificuldade é fazer com que as pessoas abram um livro e o leiam e, acima de tudo, o compreendam”. “Isso deve começar, primeiramente, na família e depois nas escolas. É um movimento contínuo e perpétuo”, confidencia Lídias Dias. “Eu acredito, que nem sequer se pode reduzir a questão cultural à educacional, andam as duas de mãos dadas”.

“A dificuldade não é só transpor as portas de um teatro, a dificuldade é fazer com que as pessoas abram um livro e o leiam e, acima de tudo, o compreendam”

Lídia Dias

Nesse seguimento, é adepta das iniciativas em espaço público, “pois tornam muito simples confrontar qualquer pessoa mais ou menos alfabetizada, com um espetáculo de circo, de música, o que for, porque a Cultura não é de elites”. Aviva, no entanto, o “respeito pelo outro, de não querer impor tudo e não insistir numa política de costumes e gostos”.

Por sua vez, Adelina Pinto considera o papel das escolas fundamental. “Aquilo que fazemos no projeto Reconhecer Guimarães é levar todos os meninos de forma gratuita ao Castelo [de Guimarães], ao Paço dos Duques, ao centro histórico, à Casa da Memória, ao CCVF (Centro Cultural Vila Flor). Um dia eles vão sentir-se confortáveis nestes espaços e vão levar os seus filhos”, propõe a vereadora.

Além disso, a câmara municipal de Guimarães tenta proporcionar às crianças uma experiência cultural o mais real possível. “Nos espetáculos, embora gratuitos, fazemos sempre o exercício do levantamento dos bilhetes, da leitura ótica, os seguranças estão à porta, fazem toda esta preparação educativa”, confidencia. Este exercício tem tido resultados práticos já que “são os próprios miúdos que trazem os pais e lhes passam essa sensibilidade e esse à vontade de ir ao teatro, por exemplo.”

O Ensino Superior ocupa também um lugar fundamental na educação para a Cultura. Lídia Dias quer “uma academia mais aberta à cidade, para que os jovens vivam a cidade”. “Queremos cidadãos interessados e uma cidade que vá de encontro aos seus interesses. Acho que às vezes é mesmo desinteresse, não se sentem seduzidos. É um trabalho que tem de ser feito de forma contínua e que nunca está feito nem concluído”, remata.

Ano após ano, será o Orçamento de Estado reflexo da desvalorização da Cultura?

Quando questionada acerca da desvalorização política relativamente ao setor da Cultura, Lídias Dias afirma ser “a favor da livre iniciativa e que o Estado deve ser regulador e estar ao lado daqueles que mais necessitam”. “É aí que o Estado tem de estar e não tem estado”, salienta ainda. “Se não fossem as autarquias locais a dar uma resposta mais próxima junto da comunidade e a própria comunidade a organizar-se para dar resposta – toda a gente, não só os artistas – teria passado muito pior do que passou e do que está a passar. Portanto, aqui, o Estado tem de ter efetivamente uma outra resposta”, admite Lídia Dias.

“Se não fossem as autarquias locais a dar uma resposta mais próxima junto da comunidade, toda a gente, não só os artistas, teria passado muito pior do que passou e do que está a passar”

Lídia Dias

A vereadora de Braga é crítica neste assunto, uma vez que “a questão do 1% para a Cultura não traz uma única gordura para a Cultura, muito pelo contrário, porque já se está, como diz o ditado, para lá do osso, já dói, já amputa”. E elucida que “se este aumento fosse para o 1%, daria resposta a situações muito críticas”.

Já a vereadora de Guimarães, Adelina Pinto, carateriza o OE como sendo “sempre muito parco no que toca à Cultura”. “Em Guimarães, não recebemos nada do OE, tudo o que temos é orçamento municipal”, garante. Compara ainda o CIAJG (Centro Internacional das Artes José Guimarães), inaugurado no âmbito de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura, com a Casa da Música, no Porto. O primeiro “teve 300 mil euros há três anos e nunca mais recebeu nada” enquanto que “a Casa da Música tem 10 milhões de euros do OE”, aponta a vereadora.

Além disso, Adelina Pinto aproxima a gestão do OE à do orçamento familiar: “A tendência é que direcionemos o dinheiro para os bens essenciais – e isto é válido para o Governo e para a família”.  “O desafio não é, obviamente, passar fome por causa da Cultura, mas fazer com que o dinheiro do orçamento familiar passe também a comportar a verba para a Cultura”, acrescenta.

Nesta época festiva, o município de Guimarães pretende adotar, pela primeira vez, o hábito alemão de colocar um livro nos cabazes. “Vamos fazer esta experiência tentando transformar psicologicamente o livro num bem essencial”, revela a vereadora. “É este upgrade que temos de fazer na Cultura”, acrescenta.

Esta iniciativa é resultado da necessidade de ser “mais criativos”, já que “o dinheiro é cada vez menos”. No entanto, Adelina acredita que a Cultura será mais valorizada “quando as famílias começarem a ser mais exigentes”, à semelhança do que aconteceu com o acesso ao ensino. “Ninguém põe em causa que o aluno tem de ir à escola, tem de ter condições, tem de ter almoço. Tudo isto adquiriu legitimidade e demorou alguns anos. Creio que com a Cultura acontecerá a mesma coisa”, sugere. Contudo, deixa o alerta de que “ninguém sente falta do que não tem” e apela para que não se espere que “as crianças sejam os adultos do amanhã”.

Por sua vez, Lídia Dias admite que “em tempos tão complicados como este, a Cultura é vista quase como a ‘flor na lapela’: se tiveres estás mais bonito, se não estiveres não faz mal”, e assim se evidencia o “tratamento desigual” dos setores. “A Cultura não salva vidas nos hospitais, mas salva outras coisas”, declara. E a pergunta impõe-se: o que salva a Cultura?

“Numa altura como esta, que se fala tanto de saúde mental, a Cultura, para mim, é esta janela aberta, é este balão de oxigénio. O nós conseguirmos ir a um espetáculo, nesta altura de pandemia, é uma sensação libertadora, uma sensação excelente, uma sensação de que estás a recuperar o teu quotidiano. Precisavas de começar a sentir esta liberdade neste novo mundo que é usar mascara e desinfetar mãos. Nós somos todos seres culturais. É aprender, é importante ir para saber o que gosta e não gosta”, finaliza Lídia Dias.

Artigo por: Ana Sousa e Nuno Diogo Pereira