Lançado a 13 de novembro, o 12º álbum de Tiago Sousa, Oh Sweet Solitude, é uma introspetiva viagem ao seu universo sónico. A influência de composições dos mais variados géneros musicais desagua no processo criativo do experiente pianista e compositor autodidata, que é também professor de piano.

Compostas, gravadas, produzidas e misturadas em tempos incertos onde impera o isolamento e a solidão forçada, as composições que integram a mais recente obra de Tiago Sousa são fruto de uma abordagem subversiva ao confinamento. Troca-se a solidão, agoniante imposição do paradigma pandémico, pela solitude, prática voluntária e potenciadora de inspiração. A importância desta distinção não é tanta quando explicada como quando a diferença é sentida precisamente no resultado desta experiência de solitude.

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A introspeção, necessária para o parto de nove lindíssimas composições, dá lugar à comunhão que acontece quando as mesmas se mostram ao mundo. Isto acontece através do lançamento digital, mas também, por exemplo, na leitura das pautas que Tiago Sousa disponibiliza, ou, claro, nas várias performances ao vivo que o músico fez e faz pelo país (e pelo mundo) fora.

A “angel of despair”, faixa introdutória do álbum, começa com tons graves, que batem à porta da experiência vindoura. É uma entrada vagarosa, austera, mas seguida por gotículas de musicalidade que se intercalam e espelham como orvalho miúdo que escorre, lentamente, por um vidro de janela abaixo. Finalmente, a porta volta a bater, anunciando o amanhecer de “waking morning”.

Nos quatro minutos e 24 segundos de “waking morning”, impera a beleza simples e a alegria nostálgica das manhãs. Notas que surgem sós rapidamente se desdobram na sua própria imensidão tonal, em momentos que se repetem várias vezes ao longo da composição. Embora repleta de fascinantes e coloridos momentos de improvisação, o desdobrar das notas destaca-se, e por bom motivo. Nesses comoventes momentos de extrema visualidade, Tiago Silva vai além das convenções matinais da natureza e faz o Sol nascer várias vezes.

Com “between fingers, captive wings” vem uma espécie de luta contra a gravidade. A faixa está marcada pelo contraste frequente das tonalidades mais austeras com a natureza inesperada e espontânea da progressão. Acima de tudo, é um momento onde os silêncios, os espaços entre as notas, se mostram claramente essenciais, e onde se exploram contradições.

Em “grey afternoon, rain shudders”, a música assume a forma de uma tempestade intermitente. O início da composição vê-se marcado por tons trovejantes aos quais logo se junta uma névoa musical. Aqui, vive-se a surrealista tradução pianística de um dia de mau tempo.

É em “unraveling the skein of time” que as potencialidades experimentais do piano acústico mais se revelam. O piano preparado, técnica que produz efeitos sonoros pontuando as cordas, martelos e abafadores do instrumento com pequenos objetos como pregos ou chaves ou, como faz Fazıl Say na célebre “Black Earth” é aqui mais evidente.

Na colossalidade dos seis minutos e 36 segundos de “the blue mountains are constantly walking” encontramos, como o próprio nome indica, terreno sónico montanhoso. É uma paisagem cheia de altos e baixos em que se sentem derrocadas, subidas, descidas e passagens esquecidas. Se dúvidas houvesse acerca da mobilidade das montanhas, Tiago Sousa resolve-as através do poder da música.

A sétima faixa de Oh Sweet Solitude, “eyes velásquez-grey”, é um exercício de simetrias sónicas de incomparável fluidez. O constante diálogo entre mão esquerda e direita cria padrões de notas ritmadas que se dissolvem e “desdissolvem” uma e outra vez.

A faixa homónima do álbum, “oh sweet solitude”, resume bem o rumo estético que Tiago Sousa retoma de Insónia, o álbum de 2009. É uma composição calma, cuidada e introspetiva em que a liberdade estilística funde várias influências sem se amarrar a nenhuma em particular.

Já em “eulogy of shadow”, dá-se um eclipse musical em que os graves fúnebres se sobrepõem a agudos mais soltos. Ao longo da música, e em especial no último minuto, a importância dada ao silêncio ao longo do álbum surge representada pelo espaço dado às ressonâncias. No fundo, é uma faixa que dá espaço de existência às sombras reverberantes das notas e dos acordes tocados.

Ouvir “Oh Sweet Solitude” é escutar, em pouco mais de meia hora, o culminar de décadas de aperfeiçoamento musical e estético no seu estado mais puro e espontâneo. Nas palavras do próprio Tiago Silva quando entrevistado para a Time Out, o álbum é um reencontro com o “lado mais intuitivo e improvisativo” do músico, com um “respirar muito orgânico”, mas que, não obstante, resulta de “uma preparação bastante grande”. É esta abordagem pouco convencional à composição pianística que torna Oh Sweet Solitude num marco na mestria do minimalismo.