As duas atuações preencheram o segundo dia do Festival.

Na quinta feira, dia 17 de dezembro, subiram ao palco do Theatro Circo Surma e Benjamim. Os dois concertos aconteceram no âmbito do Festival para Gente Sentada e foi possível ouvir-se os  mais recentes trabalhos dos artistas.

Apagam-se as luzes do Theatro Circo. Ao som de uma plateia silenciosa, uma figura delicada surge no centro do palco, acompanhada do seu icónico par de óculos e de um já habitual sorriso tímido.  O primeiro de muitos sopros rítmicos, progressivamente menos distante à medida que ecoa dentro de quem o escuta, invade calmamente a paisagem sonora do Theatro Circo. É Débora Umbelino, ou Surma, que sopra aos ouvidos temas do seu primeiro e único álbum, “Antwerpen”,vislumbres de novas e velhas composições ou ainda uma cover da “Femme Fatale”, originalmente da banda The Velvet Underground.

“Plass”, que marca o começo do concerto, está cheia de traços sonoros. Primeiro em pequenas gotas, depois com melodias de harpa, e culminando no habitual canto, ainda pouco eufórico mas sempre de uma beleza única, que eventualmente se fragmenta e se desfaz num ritmo suave que dilui a melodia por completo. A certa altura no concerto, as ondas aéreas de “Drög” ecoam num ritmo sintético. Nos primeiros segundos de musicalidade, esse ritmo abre uma melodia e a voz de Surma, com orquestradas camadas de cuidado acústico, parece soltar sobre o público autênticos espíritos musicais. Eventualmente, surgiram os tambores de “Hemma”. Numa ode ao vazio que reescreve o nome da sua avó e reinventa o conceito de “casa”, o canto e a atmosfera sonora trazem o triunfo da mudança e da peregrinação, física e espiritual, a lugares longínquos que Surma soube habitar.

Ouvir os temas avulsos de “Antwerpen”, o primeiro e único álbum da artista, é passear pelos riachos de ternura sonora da “Kismet”, é escutar vozes e notas que ecoam pelo universo fora em “Saag”. É passar uma cascata musical para sentir e experienciar em auge sensorial o deslumbre de “Miratge”. É ouvir os cânticos tribais Ubuntu de “Voyager” guiados pela sonoridade vocal moldada por Surma, o “surmês”. “Bregenset” é uma canção de embalar, “Nyika” um sonho profundo neste universo paralelo. Não se sabe bem como nem onde nascem os universos, mas “Uppruni” dá a sensação de nascimento e de criação, como se dum nascer do Sol se tratasse. Surma é o som duma estrela cadente a percorrer o planeta, e “Uppruni” é a sua explosão criadora.

As várias atuações ao vivo de Surma são muitas vezes o resultado de muita adaptação ao palco. Foi o caso em “Wannabe Basquiat”, um dos pontos altos do concerto no Festival Gente Sentada, e também num momento de improvisação crua que marcou a atuação.

A  amplitude e simplicidade numa artista que queria ficar “lo-fi”, segundo a própria Surma, transporta consigo uma aura de ternura e gratidão. É uma aura que a acompanha na sua identidade musical, mas também nos pequenos apartes da artista enquanto salta de tema em tema. Como acontece na metamorfose reinventiva de uma borboleta, Surma reinventou-se, como de resto tem vindo a fazer nos seus vários anos de carreira musical. A reação da plateia, num concerto que terminou de forma bastante repentina e sem encores, foi de serenidade e entusiasmo.

Na mesma noite, Benjamim também subiu ao palco da emblemática sala de espetáculos bracarense. Perante a plateia, o artista trouxe algumas das suas músicas do seu último álbum “Vias de Extinção”. Benjamim fechou assim com chave de ouro o segundo dia do Festival para Gente Sentada.