Portugal assumiu este mês a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, a quarta vez que o país é incumbido de presidir à peça do triângulo institucional europeu e, argumentavelmente, a mais decisiva. Assume-a também em plena crise existencial do projeto que, desprovido da conjuntura pandémica, levantava já reservas da parte de alguns Estados-Membro, devido a fases “incomodativas” da integração regional.

Não nos esqueçamos qual foi o paradigma das relações internacionais no continente europeu ao longo da sua história sangrenta. Um continente caracterizado por incontáveis aspirações belicistas à grandeza, onde o instinto de sobrevivência predominava. Um continente cicatrizado de monarquias sedentas de poder. Um continente marcado pela guerra como o seu instrumento de política externa, para o bem e para o mal.  E sem descurar todos os avanços e contributos prestados por europeus ao longo da história, é também o continente-berço de ideologias como o absolutismo, o colonialismo, o imperialismo e o fascismo. Essencialmente, é um continente onde a guerra foi sempre mais comum do que a paz… até 1950.

A particularidade do projeto europeu prende-se com o seu sucesso enquanto um projeto de paz. Independentemente das vitórias ou derrotas em diferentes fases da integração, devemos agradecer ao otimismo de alguns, que sonharam viver sem medo da guerra e, contra a maré da história, assim sucederam. Embora o mundo não tenha sido ilibado dos conflitos armados, não se voltaram a travar batalhas entre os integrantes do projeto europeu. Isso é algo especialmente notável dada a infame rivalidade milenar franco-alemã, a que Jean Monnet prescreveu a cooperação económica como o primeiro passo para o entendimento político.

Revejamo-nos ou não na progressão da integração regional europeia, concordemos ou não com a postura internacional da União, é inegável que o projeto europeu e a paz andam de mãos dadas. Não significa, porém, que devamos aceitar cegamente qualquer formato que esta venha a assumir. Devemos sim relembrar o papel do projeto na elevação e aproximação do discurso político das democracias europeias e, se possível, contribuir para o debate público sobre a moldagem do processo de integração.

A integração encontra as suas fases “incomodativas” em momentos que os estadistas compreendem ser decisivos para o curso do país, para a balança de poder regional, ou até para a sua carreira política. Temas como a política fiscal, a defesa comum, ou um sistema de saúde mais cooperativo são tópicos de grande importância para o aprofundamento da integração, mas que revelam grandes suscetibilidades entre os países.

Ainda não estamos todos na mesma página, ainda existe uma preferência clara pelo benefício do compatriota sobre a igualdade entre vizinhos. Da mesma forma, ainda há um medo subjacente de esquecimento por parte de uma classe política geograficamente mais distante do que estamos habituados.

Os vícios do discurso político fácil moldam o debate, mesmo entre democratas, para uma europeização das derrotas e uma nacionalização das vitórias. O distanciamento linguístico não facilita a defesa em nome de Bruxelas, facilitando uma culpabilização sem direito a defesa. Adicionalmente, uma construção político-institucional além da compreensão conveniente, e tantos outros flagelos socio-políticos, possibilitam a construção de um perfil e de uma narrativa essencialmente euroceticista.

A nova ascensão do nacionalismo representa precisamente aquilo que os pais fundadores procuravam erradicar. Por esta razão, pode ser considerado o maior perigo ao projeto europeu, que parece estar ainda longe do seu estádio final. O nacionalismo tem o poder de virar europeus contra europeus, desvirtuando a essência de uma Europa sem barreiras. A Europa deve ter como foco a sua perfetibilidade, tal como o fez ao longo da sua história, e assim procurar fazer frente ao populismo exacerbado e a reivindicações de cariz nacionalista.

Antes das eleições europeias de 2019, Marine LePen anunciava: “A União Europeia está morta, viva a Europa”. No entanto, o fator decisivo do mais prolongado momento de paz na história do continente – o projeto europeu – não pode ser desconsiderado como indissociável da grandeza europeia, que não está enraizada na nossa história, mas sim dependente do nosso futuro. A Europa estava morta, viva a União Europeia!