A composição, amplamente tida como uma espécie de “arquitetura musical”, é também uma parte indissociável da sua transmissão intergeracional. Embora a partitura seja o mais conhecido e popular método de notação no ocidente, não é o único que permite registar arranjos musicais, embora seja e tenha sido amplamente usado na área da etnografia para transcrever e guardar registos musicais. Mesmo antes do surgimento dos gravadores, ou de métodos mais rudimentares como os rolos para caixa de música ou pianola, a composição empregava a repetição e a memorização para preservar o legado musical, por exemplo, na música tribal e tradicional.

O Dia Mundial do Compositor celebra-se esta sexta-feira. Para dar a conhecer um pouco mais sobre esta profissão essencial no mundo da música, o ComUM falou com Sara Marita e Pedro Lima, duas pessoas que iniciaram o seu percurso musical no Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga e cujos percursos, embora muito distintos, passam inevitavelmente pela composição.

“A composição veio, essencialmente, de uma vontade muito grande de criar e de conhecer música nova”

Sara Marita tem 21 anos. Passou grande parte da sua existência a estudar música, primeiro piano e mais tarde composição, no Conservatório de Música Calouste Gulbenkian, em Braga. Para Sara, “a composição veio, essencialmente, de uma vontade muito grande de criar e de conhecer música nova”, que começou a explorar logo no ensino secundário. Mais tarde, esse interesse culminou numa Licenciatura em Composição na Escola Superior de Música de Lisboa.

Paralelamente a esta formação, ao longo do seu percurso, foi explorando, ainda que num plano diferente, “outros universos artísticos como o ballet, teatro musical e teatro”. Teve desde cedo o privilégio de participar em “diversos projetos multidisciplinares”. Estes, aliados ao seu fascínio permanente pela criação, terão talvez conduzido para o Mestrado em Artes Performativas, que frequenta atualmente na Escola Superior de Teatro e Cinema.

Neste momento, Sara tem trabalhado “maioritariamente em projetos colaborativos”, onde procura sempre aplicar a bagagem que já tem mas, acima de tudo, onde tem trabalhado competências que até agora não tinha conseguido explorar como desejava, nomeadamente enquanto performer, tentando absorver tudo o que pode. A criação, musical e não só, está “sempre presente”.

Sara Marita/Facebook

Os trabalhos e a pesquisa de Sara, tanto enquanto compositora como performer, têm-se centrado substancialmente em “questões sociais atuais” que a inquietam particularmente e “têm polarizado a sociedade”. A compositora tem feito uma intensa investigação sobre empatia, numa tentativa de aproximar o público a essas questões. É num “prisma já bastante ambicioso” e “sempre na esperança de conseguir aplicar muito do potencial da arte, num país que insiste em desacreditar e desprestigiar aquilo que faz de nós o que chamamos de humanidade” e que nos “difere das máquinas ou de outras espécies: potenciar a reflexão, prosperar o espírito crítico, questionar, alimentar inquietações, desestabilizar o inabalável e encontrar a tranquilidade no meio do caos”.

[Compôr] É a ideia de comunicar o que está omisso no verbo, a ideia de evocar através do som, de provocar, de intervir”

Pedro Lima nasceu no “Norte de Portugal, nos anos 90”, e com apenas seis anos de idade ingressou no Conservatório de Música Calouste Gulbenkian, em Braga. Segundo Pedro, esse contacto aprofundado com a música foi logicamente preponderante naquilo que viriam a ser as suas opções futuras. Para Pedro Lima, “a música nunca foi verdadeiramente uma opção”, já que “nunca outra via se mostrou”, mas diz que “ainda bem que assim foi”. Procurou desde cedo ser criativo, tanto a solo como coletivamente. Foi “pela mão do Paulo Bastos, ilustre compositor e pedagogo”, que vislumbrou pela primeira vez os “contornos práticos deste ofício”, munido de um “fascínio visceral que ainda hoje alimenta os dias de dúvida”.

“Consumada a escolha pela carreira musical”, Pedro viaja para Lisboa, onde estuda com João Madureira e Luís Tinoco, “outro dos pilares” da sua formação a quem “os agradecimentos nunca serão suficientes”. Foi pela mão de Luís Tinoco que entrou no “mundo profissional” e acrescenta ainda que “toda a música que ele [Luís] me mostrou funcionou como um mapa astral”, que o ajudou a traçar o seu próprio itinerário.

Quanto ao mundo da música, Pedro Lima diz não ser “um mundo fácil”, mas afirma também não ser “de lamentações”. Escrever música foi, para o compositor, “uma atitude genuinamente natural”, refletora de “íntimos traços” da sua personalidade. Para Pedro, “o silêncio e a solidão são essenciais desde sempre”, tendo sido sempre “no contorno deste crescimento que a composição adquiriu um papel preponderante”. Compôr é, para o músico, “a ideia de comunicar o que está omisso no verbo, a ideia de evocar através do som, de provocar, de intervir”. Ser compositor, acrescenta, é “uma profissão um tanto ou quanto egoísta na essência basilar da sua prática, mas paradoxalmente também altruísta na sua missão humana e artística”.

Pedro Lima/Facebook

Dos anos passados no mundo da composição, Pedro Lima destaca a sua “trilogia sinfónica”, “Once Again, Eternal Goodbyes”, “(…) e tu, de mim voaste” e “Remembering When”. A sua passagem por Londres, onde estreou a ópera de câmara “Reel Woman” e a obra “Talkin(g) (A)bout My Generation”, pelo Remix Ensemble, com Peter Rundel, são ainda alguns destaques.

Pedro Lima assinala ainda os tempos em que foi compositor em residência na Casa da Música, em 2019. Por fim, recorda ainda ter trabalhado com a Teresa Salgueiro e a Orquestra de Guimarães em plena pandemia no ano de 2020, na celebração dos 15 anos do Centro Cultural Vila Flor.