Perceber melhor a vacinação foi o foco das conversas realizadas.
O ComUM esteve à conversa com Jorge Pedrosa, professor catedrático da Escola de Medicina da Universidade do Minho, para averiguar como está a decorrer o processo de vacinação e qual a sua opinião em relação ao mesmo. Além disso, falou com José Diogo Soares, antigo Presidente do NEMUM, que demonstrou a sua indignação sobre o facto dos estudantes de medicina dos anos clínicos não serem também abrangidos nas primeiras fases de vacinação.
Sobre o ponto de vista científico, Jorge Pedrosa, inicia a conversa com o ComUM, dizendo que “é absolutamente único, num período de tempo tão curto, desenvolverem-se vacinas, testá-las e colocá-las no mercado”. Aproveita ainda para explicar que este marco apenas foi possível, uma vez que “houve um enorme esforço dos cientistas e foram postos imensos meios ao serviço da ciência”.
Para o investigador, a questão logística da produção das vacinas é aquilo que, no momento, mais o preocupa. Esta incerteza circula nos mais variados contextos e nas próprias redes sociais, que são inundados com questões sobre a existência de uma quantidade suficiente de vacinas para toda a população.
Sobre a temática, Jorge Pedrosa sublinha que existe mais do que uma vacina e que ainda surgirão outras, que serão aprovadas pelas entidades europeias e nacionais, algo que pensa “melhorar um pouco” a situação. Considera ainda que, por não chegarem todas ao mesmo tempo nem em quantidades suficientes, é inevitável estabelecer prioridades. “Penso que o Sistema Nacional de Saúde e a DGS encontraram uma solução possível, que me parece aceitável e que eu compreendo”, adiciona.
É absolutamente único, num período de tempo tão curto, desenvolverem-se vacinas, testá-las e colocá-las no mercado.
Jorge Pedrosa
Atendendo a este acesso limitado e faseado às vacinas contra a Covid-19, foram criados então grupos prioritários para a vacinação e diferentes etapas faseadas de administração. Segundo o Serviço Nacional de Saúde (SNS), a primeira fase destina-se a pessoas com mais de 50 anos com patologias associadas, a residentes e profissionais em lares e unidades de cuidados continuados, a profissionais de saúde e a profissionais das forças armadas, forças de segurança e serviços críticos.
A prioridade dada aos profissionais de saúde prende-se com o contacto direto que estabelecem com os pacientes. Estes, tal como tantos outros, encontram-se em terreno incerto. Se, por um lado, podem ser um ponto de contágio para os doentes aos quais assistem, por outro lado, trabalham em locais de possível foco de transmissão da Covid-19.
Em entrevista ao ComUM, o Presidente do NEMUM, José Diogo Soares, critica o facto dos estudantes de medicina dos anos clínicos não serem também abrangidos pela medida.
Equiparados, mas com algumas ressalvas
José Diogo Soares relembra que, este ano, pela primeira vez, foram equiparados e incluídos na vacinação contra a gripe, “exatamente iguais aos profissionais de saúde”. Sendo assim, não compreende o porquê de, quando passaram para “a vacinação para a Covid-19, que é uma doença ainda mais contagiosa, que não está perfeitamente controlada”, não estarem incluídos.
O ex-Presidente do NEMUM sublinha que os estudantes de medicina dos anos clínicos estagiam quase 30 horas por semana, onde convivem diariamente “junto dos profissionais, junto dos enfermeiros, de médicos e de técnicos”. Desta forma, suscitam-lhe dúvidas sobre o porquê de não serem equiparados a profissionais de saúde.
“Não se compreende porque é que parte destas equipas, às quais nós fazemos parte, vão estar vacinadas e vão sendo vacinadas e nós não. Nós, efetivamente, também temos contacto com estes profissionais, também temos contacto com os doentes e, desta forma, podemos tanto ser um vetor de transmissão para os doentes que estão no hospital como para a própria comunidade”, explica.
Não se compreende porque é que parte destas equipas, às quais nós fazemos parte, vão estar vacinadas e vão sendo vacinadas e nós não.
José Diogo Soares
Também Jorge Pedrosa considera que os estudantes de medicina e de enfermagem deviam ter algum grau de prioridade. “Admito que não pudessem ser ao mesmo tempo que os profissionais de saúde, mas eu penso que logo a seguir faz todo o sentido que também tivessem prioridade. Não queremos afastar os estudantes dos seus locais de formação e de aprendizagem”, refere.
José Diogo Soares não consegue apresentar uma justificação concreta para esta decisão. No entanto, acha que isto pode acontecer devido aos estudantes de medicina, tal como outros estudantes na área de saúde, tenderem a ser “um bocadinho desvalorizados”. Posteriormente, refere que a urgência na equiparação dependerá do contacto que cada universidade estabelece com os hospitais.
Vacinação: um dever social
Segundo o SNS, a vacinação contra a Covid-19 é universal, gratuita e facultativa. Perante o panorama pandémico vivido, a população tem revelado algumas dúvidas sobre o seu caráter voluntário.
O professor catedrático da Escola de Medicina da Universidade do Minho sublinha que esta discussão não faz sentido apenas na vacinação contra a Covid-19, mas para o uso das vacinas na sua generalidade. De qualquer das formas, sublinha que em Portugal as vacinas são recomendadas e não obrigatórias.
Sendo assim, o investigador aponta que, nesta questão, estão em confrontação “os princípios da autonomia individual das pessoas e das liberdades individuais e a consciência de que, sendo vacinado, o indivíduo não se protege apenas a si, mas ao grupo em que está inserido”. Desta forma, admite que “há uma certa responsabilidade social de se ser vacinado, porque não interferimos só na nossa saúde, como na saúde dos outros”.
Da mesma forma, José Diogo Soares reconhece que, “em termos de saúde pública, todos deveríamos ter a responsabilidade social e civil de sermos voluntários e de querermos tomar a vacina, mas o estado não deve ser autoritário e obrigar os cidadãos”.
Todos deveríamos ter a responsabilidade social e civil de sermos voluntários e de querermos tomar a vacina.
José Diogo Soares
Sendo assim, o antigo Presidente do NEMUM, explica que SNS corresponde a uma ferramenta que “está aqui para quem o precisar, mas não devemos impor obrigatoriedade sobre qualquer cuidado médico”. Posto isto, “qualquer paciente pode recusar um tratamento médico, pode recusar um fármaco que lhe seja receitado e acho que, de igual forma, aqui aplica-se o mesmo”.
Ambos os entrevistados acreditam que o jornalismo tem um papel fundamental na comunicação da ciência. Jorge Pedrosa chega a referir que “uma população mais informada é uma população que toma melhores decisões”. Além disso, alerta para a importância de se ter algum conhecimento científico e histórico.
“Se as pessoas conhecerem a História, percebem que esta pandemia da Covid-19 não é a primeira que existe na humanidade, já existiram muitas outras pandemias provocadas por vírus, bactérias e por outros agentes infeciosos. Hoje, estamos numa situação completamente distinta da que estávamos em relação às maiores pandemias que apareceram. A grande diferença é que temos um sistema científico muito mais evoluído e que consegue soluções muito melhores”, esclarece.
José Diogo Soares aponta ainda que este é também um processo de aprendizagem para o jornalismo. Para além disso, relembra que o “jornalismo não deve nem assustar, nem acalmar, o jornalista deve simplesmente informar e transmitir aquilo que são factos, aquilo que são as notícias”. Desta forma, deixa esse papel para os políticos, que devem “acalmar quando a população está assustada e assustar quando a população está demasiado calma”.
Artigo por: Bruna Sousa e Inês Batista