A 29 de janeiro de 1951, Vítor Norte Ribeiro chega a uma das cidades de mármore do Alentejo. Borba, no distrito de Évora, dá assim as boas vindas a um dos mais multifacetados atores portugueses. De camionista a empregado de escritório, percorreu o mundo do ballet clássico, da mímica e da pantomima. Por fim, tornou-se ator profissional. Estreou-se em Vila Faia (1982) e, desde então, participou em mais de 40 telenovelas. Esta sexta-feira, dia 29 de janeiro, completa 70 anos.
Reza a lenda que Vítor Norte sempre foi muito traquina. Aos 13 anos de idade, abandonou a terra que o viu nascer. Após concluída a quarta classe, foi para a Escola Industrial de Estremoz. Agora com rédea mais solta, começou a revelar um certo jeitinho para o teatro, a poesia e a ginástica. O sonho, relembra o seu velho amigo de infância, Óscar Prudêncio, era ser bailarino.
À luz do American Dream, poderíamos dizer a “utopia lisboeta”. Lisboa parece que nos obriga (obrigando-nos em muitos casos) a tomar a cidade em busca dos nossos sonhos. As palavras de João Monge e João Gil nunca fizeram tanto sentido: “são os loucos de Lisboa / que nos fazem duvidar / que a Terra gira ao contrário / e os rios nascem no mar”. Contudo, esta é uma discussão que fica para outro dia. O que interessa é que Vítor Norte mudou-se para Lisboa para investir na sua carreira profissional.
Aos 17 anos, por entre os mais variados ofícios, desde ajudante de camionista a empregado de escritório, teve aulas de ballet com Ana Mascollo, bailarina nomeada Grande-Oficial da Ordem da Instrução Pública em 2017. Além disso, frequentou oficinas de mímica e pantomima na Fundação Calouste Gulbenkian. Infelizmente, viu-se obrigado a interromper os seus estudos artísticos, uma vez que foi chamado a cumprir o serviço militar obrigatório.
Esteve dois anos mobilizado na Guiné-Bissau, durante a Guerra do Ultramar. No entanto, muito antes disso, tinha tentado escapar a tal destino. De acordo com o mesmo, alguns tentavam fugir, apanhando úlceras ou cortando o dedo do gatilho, mas Vítor Norte não se queria sujeitar a tais situações. Sendo assim, a sua esperteza saltou ao de cima: “eu quando fui para a tropa, o que eu queria ser era básico, porquê? Porque os básicos não iam para a guerra”.
Após os dois anos na guerra colonial, regressou a Portugal. Cá, trabalhou como modelo, aventurou-se nos bailados e estreou-se no Teatro Casa Da Comédia. Das suas participações em peças de teatro destaca-se: Ay Carmela de José Sanchis Sinisterra, uma peça dirigida por Xosé Blanco Gil no Teatro Ibérico, que fala sobre a guerra civil, impondo a reflexão sobre temas intemporais; e Volpone de Ben Johnson, uma comédia dirigida por Norberto Barroca no Teatro Aberto, que retrata a ganância desmedida.
Em 1953, Vítor Norte deu voz ao Capitão Gancho em As Aventuras de Peter Pan. Um prazer do qual se fez acompanhar, em 2002, com Peter Pan e a Terra do Nunca e a A Casa do Rato Mickey – Vilões. No entanto, a sua estadia no mundo das dobragens não ficou por aqui: fez de Professor Ratagão em Rato Basílio (1986), O Grande Mestre dos Detectives (1986); de Dr. Robotnik em Sonic the Hedgehog e As Aventuras de Sonic the Hedgehog (1994); de Barba de Ferro em O Filme Lego (2014) e O Filme Lego 2 (2019); e de Tamatoa em Vaiana (2016), entre outros.
De qualquer das formas, a sua estadia permanente remete-nos para os pequenos e grandes ecrãs. Como referido anteriormente, Vítor Norte fez parte da primeira telenovela portuguesa, Vila Faia (1982), onde ficou conhecido por Zé Diniz. No mesmo ano, participou na longa-metragem O Chico Fininho, impressionando ele próprio, Chico Fininho, a figura de que se fala na popular canção, e A Vida é Bela…!?, lado a lado de Nicolau Breyner, Margarida Carpinteiro e Henrique Viana.
Em 1986, segue-se uma comédia policial, Duarte e Companhia, e um romance realmente misterioso, Duma Vez Por Todas. Para que possam perceber o seu lado enigmático, fica aqui um excerto da sua sinopse: “Uma mulher que muda de imagem – de acordo com os desejos dos homens que lhe pagam, ao estilo da que eles gostariam de amar, de com ela fazer amor ou o que desejam fazer com uma mulher”.
Durante 14 anos, Vítor Norte não tirou um ano de descanso. Por entre Desencontros (1995), correu Riscos (1997), avistou A Sombra dos Abutres (1998), mas nunca foi Tarde de mais (2000). Destas pisadas, o ator relembra a longa metragem Tarde de mais como um dos trabalhos mais difíceis pelo qual passou. “Foi terrível porque passávamos o dia atolados em lama até ao pescoço, dentro do Tejo até às 3 horas da manhã, com um frio terrível.” No entanto, relembra que “por mais que sejam as agruras pelas quais um ator passa, as alegrias são normalmente maiores”.
Em 2002, surpreendentemente ou não, o ator chegou a participar no Big Brother Famosos. Calma, uma vez que a justificação sobre o embarque em tal aventura retira alguma dessa surpresa. Durante a sua apresentação no programa, Vítor Norte explica que aceitou o convite porque, “como praticamente já fiz todos os tipos de espetáculos – cinema, televisão, teatro, cabaret… -, realmente, nunca fiz o papel de mim próprio”. Esta é uma realidade que a muitos poderia assustar. Contudo, este não foi o caso de Vítor Norte, “tenho curiosidade em saber quem sou em sociedade”.
Cumprida a promessa, regressa ao ativo. Sendo assim, passou pelo Inspector Max (2004), pelo O Bando dos Quatro (2006) e pela quinta temporada de Morangos com Açúcar (2008). Compreensivelmente, a lembrança de Sebastião em Inspector Max é reduzida. No entanto, nunca ninguém se esquecerá do culto e desafiador Tio João e do exigente engenheiro José Miguel Mendonça, pai de Aurora.
Nos últimos três anos, o ator fez parte das novelas Jogo Duplo (2018), A Teia (2018-2019), Golpe de Sorte (2019) e Amar Demais (2020). Ao mesmo tempo, participou nas longas-metragens Ruth e Carga (2018), na série Terra Nova (2020) e na curta-metragem O Meu País Não Existe (2019), entre outros. 2021 reserva-nos a sua prestação em Sombra, filme inspirado no caso Rui Pedro. Enquanto não chega, resta-nos rever os feitos até então e, hoje, desejar um feliz aniversário a Vítor Norte.