Um castelo convertido em pousada. Mais um convento que vira hotel de charme. Nos últimos anos, tem sido esta a infeliz realidade do património cultural edificado em Portugal, posto à disposição da rentabilização imobiliária sem critérios nem avaliação exigentes. O mais preocupante é que, apesar de este ser um bem de todos, o que fazem dele não é do interesse e, muitas vezes, nem sequer do conhecimento coletivo.

Senão vejamos, nem todos saberão que foi criado em 2016 um programa governamental, de seu nome “Revive”, que tem aberto, com o intuito de preservar e valorizar o dito património, as portas ao investimento e à gestão privados. Muitos também ignoram que este modelo de requalificação tem servido quase exclusivamente os interesses da exploração turística, transformando vários monumentos e edifícios históricos em empreendimentos hoteleiros e de alojamento local.

Deste modo, seria legítimo pensar que a administração do Estado está a “vender” o que é nosso, mas não é disso que se trata. Para já, o que o poder político tem feito é apenas dar uma nova vida àquilo que foi esquecido e abandonado ao longo do tempo por todos nós, portugueses. Depois, é preciso entender que concessionar não é vender, até porque o património não é propriedade da administração central e esta apenas deve permitir a sua utilização nas melhores condições possíveis, defendendo o interesse público. Se isso implicar passar a gestão a privados ou a entidades público-privadas, porque não?

Agora, muitos podem argumentar que requalificar o património não pode ser sinónimo de transformar tudo em hotéis. E têm toda a razão. O que acontece é que o Estado se tem precipitado nesta matéria, colocando muitas vezes um ponto final numa discussão inacabada, quando deve fazer precisamente o oposto. É absolutamente necessária uma reflexão profunda antes de se tomarem decisões como estas, integrando quem realmente conhece e reconhece a importância do património a transformar, nomeadamente os especialistas e as gentes locais. Assim, cria-se a possibilidade de salvaguardar o legado histórico e cultural desse património, permitindo que seja acessível a todos e estimule o desenvolvimento dos territórios.

Em todo o caso, o problema que existe é muito mais complexo. Infelizmente, ainda vivemos num país que orçamenta menos do que um por cento para a cultura, que atribui subsídios e apoios em vez de investir a longo prazo e em que os museus e monumentos são potencialmente mais visitados por estrangeiros do que por nacionais. Para além disso, é o mesmo país que negligencia territórios menos desenvolvidos em troca de uma centralização cultural e que não tem ações e políticas coesas de proteção e educação para o património.

É urgente mudarmos este paradigma. Engana-se quem pensa que só a dita “classe política” tem o poder de alterar o estado das coisas. Por isso, sejamos capazes, neste ano que agora inicia, de dar mais atenção ao museu da nossa aldeia, ao mosteiro da nossa vila ou ao castelo da nossa cidade, bem como de apreciar também o património de um ponto de vista lúdico, de lazer, não esquecendo a sua vertente cultural. Se o fizermos, ganha o património, ganha a cultura e ganhamos todos nós.