A conversa foi organizada em honra do “Black History Month”.
A última conversa do evento “Academia à conversa”, promovido pela Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM), abordou o tratamento das minorias pelas autoridades portuguesas. Em direto no Facebook, o debate contou com duas convidadas especializadas e foi moderado pela diretora de informação da RUM, Elsa Moura.
Fátima da Cruz Rodrigues, socióloga e professora convidada na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, iniciou a conversa abordando os antigos combatentes africanos das forças armadas portuguesas, que combateram nos territórios onde nasceram. “Acredito que seja um tema desconhecido pela maioria das pessoas”, afirma a socióloga. “Na semana passada, morreu um desses antigos combatentes africanos que mobilizou o problema do racismo em Portugal. Passado uma semana da morte de Marcelino da Mata, estamos aqui a debater como tratamos uma das nossas minorias, a minoria africana em Portugal”, adverte Fátima da Cruz Rodrigues.
A socióloga continuou a sua tese sobre Marcelino da Mata, explicando que este combateu na Guiné durante toda a guerra, no seio das forças armadas e “nesse seu papel as autoridades portuguesas trataram-no como qualquer outro português que estivesse na guerra”. “Mais de metade das tropas eram de origem africana. Ele lutou junto dos portugueses e foi condecorado com as maiores honras do Estado na época do Estado Novo”, recorda.
“Curiosamente, é o homem mais condecorado na história do exército português. Portanto, aparentemente, a autoridade portuguesa tratou-o como qualquer outro português que ia para a guerra”, declara ainda. Porém, a oradora explica não ser esse o problema em relação ao debate do racismo. “O problema coloca-se, precisamente, quando alguns sujeitos se intrujem contra o voto de pesar que foi proposto na Assembleia da República em homenagem a Marcelino da Mata”, assegura Fátima Rodrigues.
No âmbito da situação sobre o voto de pesar para Marcelino da Mata na Assembleia da República, a socióloga reitera que “a Joacine Katar Moreira ou o Mamadou Ba não incomodam os portugueses por serem afrodescendentes e ocuparem um lugar de destaque na sociedade portuguesa”. “Eles incomodam por fazerem parte de uma geração de afrodescendentes que reivindica e luta pelos seus direitos. É isto que parece estar a incomodar alguns portugueses”, clarifica a socióloga.
Em adição, Patrícia Jerónimo, professora associada na Escola de Direito da UMinho, afirma que “Portugal tem uma excelente imagem internacional graças àquilo que é o discurso oficial – um discurso antirracista e de integração. Mas depois temos o sentimento popular”. A docente refere que é um mito quando se diz que não existe racismo em Portugal. “Temos de continuar a trabalhar nisso e não podemos presumir que não somos racistas, que somos tudo boa gente, acolhedores e com a porta sempre aberta. Não é assim, não é isso que se passa”, alega.
Patrícia Jerónimo, focalizando na vertente do Direito, refere que “o estado português foi criando processos normativos para proteger as pessoas contra a discriminação. A par disto temos um conjunto de programas de integração que têm vindo a ser adotados desde a época de 90”. “O problema está na prática do quadro normativo. As pessoas não confiam no sistema porque as queixas não levam a lado nenhum”, acrescenta. A docente afirma que as atenções estão muito focadas na polícia e que a ideologia de extrema-direita “está muito disseminada junto das forças policiais e a mudança de mentalidades é um processo moroso”.
Após as intervenções das oradoras, Elsa Moura levanta algumas questões. As oradoras terminam a conversa abordando temas como o crescimento da extrema-direita, a imigração, os refugiados e a integração social da comunidade cigana.