A fotografia arrasta consigo uma essência que ultrapassa a simplicidade do seu ato e que vai mais além do manuseamento de uma máquina, de um mero click ou da parte técnica que se encontra na penumbra do resultado final. Da mesma forma que a arte não tem como intuito dar-se a perceber ou a entender, mas sim a criar e a gerar sentimentos, a fotografia parte da mesma premissa, na medida em que tem a capacidade para eternizar momentos, captar emoções, enquadrar sensações e, em tom poético, fazer parar o tempo.
Atualmente, a panóplia de meios disponíveis para se fazer fotografia é largamente infinita. Contudo, quando trazemos para cima da mesa o tema da arte de fotografar há, efetivamente, uma certa controvérsia gerada a partir do momento em que nos posicionamos na era do digital e, no entanto, é possível assistirmos a uma crescente e constante utilização e preferência pelos meios analógicos. É um facto que se ouve falar com alguma frequência numa “arte perdida”, ou até mesmo uma arte que está pouco longe de atingir o patamar de obsoleto quando se refere à fotografia analógica, mas a verdade é que há, cada vez mais, uma grande resistência por parte deste tipo de fotografia que a torna numa arte, a meu ver, inteiramente intemporal.
Se pararmos por breves instantes para lançar um olhar panorâmico sobre tudo aquilo que se encontra ao nosso redor, não será tarefa árdua nem demorada concluirmos que tudo é instantâneo e imediato e, claramente, há uma filosofia geral subentendida que se rege pelo “não há tempo para perdermos tempo”. De certa forma, e agora anaforicamente falando, esta acaba por ser a grande diferença que separa a essência do digital da do analógico.
Enquanto no mundo digital a fotografia é-nos logo dada no “hoje”, “agora” e “já”, onde nos encontramos à distância de um pequeno número de clicks para termos algo visualmente em mãos, a fotografia no universo analógico difere por requerer outros ingredientes especiais: um grande nível de paciência para esperar, um efeito surpresa agendado para o médio/longo prazo e, acima de tudo, boas doses de dedicação e seleção criteriosa para considerar os momentos merecedores de uma captura – não há cá tirar fotografias à toa. Existe, de facto, um processo muito mais prazeroso quando fotografamos no modo analógico, que acaba por culminar no valor e no carinho acrescidos que, posteriormente, se atribuiu às fotos quando reveladas.
Uma câmara analógica encontra em si a capacidade de atribuir ao seu portador/fotógrafo uma qualidade de sensibilidade diferente daquela conferida por um telemóvel, por exemplo. Uma vez desprovido da visualização da fotografia depois de tirada, a tendência é aprender a saber escolher o local, a pessoa, a circunstância e o momento certos para fazer o disparo. Esta é uma das razões pelas quais considero esta arte também como um gesto de consideração – eventualmente até uma prova de amor e afeto – para com aquilo ou aquele que se encontra na mira da lente e leva com um disparo cuidadoso e bem-intencionado.
Mas, no meio destas características todas, existe uma que considero ser fulcral neste pequeno debate relativamente à fotografia analógica: a perfeita imperfeição das fotografias. Fotografar em modo analógico não é sinónimo de se conceber fotos realistas que se apresentem visualmente pormenorizadas e detalhadamente representativas da realidade que se encontra ali fotografada. Muito pelo contrário. Fotografar em analógico é conseguir captar os momentos dentro de um discurso abstrato, onde a beleza predomina nas falhas e nos defeitos que se podem identificar nas fotografias. Também há algo de belo nas fotos que saem queimadas, sobre-expostas, escuras e até mesmo desfocadas.
Na verdade, à semelhança do próprio ser humano, que se torna único e peculiar pelas suas imperfeições, também as fotografias analógicas detém um cariz singular e incomparável. Tudo isto se deve à sua forte inclinação à imperfeição e subjetividade.