Tal como o primeiro episódio nos diz, Night Stalker: Caça a um Assassino em Série dá-nos a conhecer “o diabo na Cidade dos Anjos”. Algures nos anos 80, Los Angeles era uma cidade com muitos universos paralelos. Por entre o glamour, o terror escondia-se no virar da esquina. Richard Ramirez preencheu o platô. Foi apenas acusado de 13 homicídios e 11 violações, mas existem ainda mistérios por resolver. A grande diferença deste assassino em série, em comparação com outros tantos, é o facto de não possuir um padrão.

Richard Ramirez não nos é já desconhecido. Lado a lado de Ted Bundy, Charles Manson e Aileen Wuornos, entre muitos outros, é considerado um dos mais famosos serial killers americanos. Apesar de nem todos se interessarem por esse lado da história americana, a verdade é que Ramirez já apareceu em múltiplas produções cinematográficas, nomeadamente Manhunt: Search for the Night Stalker (1989) e The Night Stalker (2016). Por surpresa de muitos, fez ainda uma aparição no American Horror Story:1984 (2019).

Além da mediatização inerente à sua investigação, que iremos abordar de seguida, a presença de múltiplos trabalhos sobre si exigem um caráter inovador nas sistemáticas composições. Na verdade, em The Night Stalker e American Horror Story: 1984 as diferenças são claras. Por um lado, temos uma tentativa de persuasão de Richard Ramirez para ilibar um prisioneiro de uma pena de morte. Por outro lado, como é já típico, contamos com a apresentação de uma personagem com poderes sobrenaturais. Apesar da sua associação ao satanismo, adianto já que nunca tais capacidades foram comprovadas.

Desta forma, poderá apenas restar-nos dúvidas sobre a aproximação do filme de 1989 e a mais recente produção de streaming da Netflix. No entanto, enquanto que Night Stalker: Caça a um Assassino em Série é uma série documental, Manhunt: Search for the Night Stalker assume-se como um drama criminal baseado em factos reais. Deste modo, ao invés de nos ser narrado o que aconteceu, somos convidados a presenciar uma recriação dos acontecimentos. Admito, desde já, que qualquer um deles provocará arrepios. Contudo, acredito que a frieza de certos relatos e as histórias na voz dos seus sobreviventes nos deixarão muito mais reflexivos.

De um modo geral, a história de Richard Ramirez é-nos contada na perspetiva dos investigadores que o prenderam. Reza a lenda que Gil Carrillo era um jovem polícia, que andava sempre com um sorriso no rosto, e que Frank Salerno era um detetive vetereno, que levava tudo demasiado a sério. Aquilo que para os típicos dramas poderia ser transcrito como o good cop e o bad cop, um equilíbrio mais do que necessário.

Apesar de esta descrição ser mais do que suficiente para percebermos com quem lidamos, os produtores de Night Stalker: Caça a um Assassino em Série optaram por uma extensa explicação das conquistas pessoais de cada um dos investigadores e como é que estes se passaram a relacionar. Ainda que perceba a tentativa de identificação, projeção e empatia por parte do público, a verdade é que foge um pouco do foco da série. De qualquer das formas, trata-se de um esclarecimento suave, não tornando a produção de difícil visualização.

Da mesma forma, o produtor executivo Tiller Russell, juntamente com Tim Walsh, Eli Holzman e Aaron Saidman, decidiu sublinhar a relação emotiva dos polícias com a investigação. Se a escolha anterior corresponde a uma opção facultativa, esta segunda escolha torna-se essencial. Muitas das vezes, as produções cinematográficas documentais de crimes prendem-se exclusivamente no relato do que aconteceu, na personalidade dos criminosos e nas consequências reais para os lesados, deixando de parte as repercussões e as dificuldades vividas por quem trata do caso.

Sendo assim, Night Stalker: Caça a um Assassino em Série conta com relatos arrepiantes dos sobreviventes de Richard Ramirez, nomeadamente de Anastasia Hronas. Antes de avançar, importa referir que o exemplo de Anastasia marca o tom de toda a série, uma série que nem todos serão capazes de aguentar. Desta maneira, deixarei aqui uma sinopse do seu caso – Em fevereiro de 1985, Anastasia Hronas ouve a janela da sua casa abrir. Num primeiro momento, assumiu que poderia ser um familiar seu. Desta forma, com apenas 6 anos de idade, a sua inocência levou-a a aceitar ser levada por um homem que desconhecia. O terror não tardou a chegar. Durante horas, Anastasia foi violada.

Para além disso, como referido anteriormente, a série conta com momentos em que se explora como é que os polícias que estavam envolvidos no caso se foram sentindo. Num primeiro momento, estavam motivados e cultivavam uma certa adrenalina em descobrir quem estava por trás de tamanhas atrocidades. Após meses de investigação, mantiveram a motivação, mas o cansaço e o medo começaram a apoderar-se de si. Como seria expectável, um dos maiores medos era que as suas famílias fossem atacadas por tal violento criminoso.

Até ao momento, conseguimos perceber que Night Stalker: Caça a um Assassino em Série cumpriu com alguns pré-requisitos das produções cinematográficas documentais de crimes e até conseguiu inovar. No entanto, deixou algo essencial esmorecer, a exploração da personalidade e dos motivos de transformação de Richard Ramirez num serial killer.

Tudo aquilo que exploraram fica resumido, mais coisa, menos coisa, às seguintes palavras: “Ele sempre foi um miúdo que nunca se deu com ninguém. O Richard roubou desde criança, o Richard Mãozinhas. Há histórias terríveis sobre como foi tratado pelos familiares. O pai tentava repreendê-lo, prendendo-o a uma cruz no cemitério, durante a noite. Ele teve muitas más influências. Praticamente, tudo o que pode estragar uma criança fez parte da vida dele”, episódio quatro, a “Caça ao homem”.

Apesar de não ser o foco principal da série, a verdade é que Night Stalker: Caça a um Assassino em Série permite-nos ainda analisar o papel dos jornalistas em investigações criminais e, principalmente, alguns dilemas éticos de extrema importância. Um desses exemplos remete-nos para Laurel Erickson, uma repórter da emissora KNBC. Durante o seu acompanhamento do caso do Night Stalker, a jornalista ameaçou os investigadores que iria divulgar informação confidencial se não lhe fosse dada em troca informação nova. Embora consigamos perceber o porquê de o fazer, questionamo-nos como é que é possível alguém ameaçar pôr em risco a captura de um assassino, apenas para conseguir algo inédito.

Como referido anteriormente, esta não se trata de uma série para tudo e para todos. Com apenas quatro episódios, é preciso ter muito estofo para presenciar os relatos das testemunhas, a recriação das cenas e as provas fotográficas dos crimes. De qualquer das formas, corresponde a mais uma obra cinematográfica que nos permite refletir sobre a mente humana. Para além disso, conduz-nos num autêntico quebra-cabeças, que nós próprios vamos tentando resolver.