Revestida pela síndrome do não querer saber, há uma camada jovem indiferente a quem por ela toma decisões no seio académico.

As eleições para o Conselho Geral, um órgão que a maior parte dos alunos nem sabe que existe, estão à espreita. Da última vez que este sufrágio aconteceu, num universo de 19 mil alunos, votaram apenas 294. A abstenção foi de 98,5%. O cenário não muda muito quando se fala da Associação Académica ou dos núcleos.

De facto, a abstenção é, por norma, a grande vencedora das eleições na academia minhota. O ComUM decidiu procurar respostas e falou com estudantes que não têm por hábito votar, para compreender o que falta na democracia da universidade.

Nicola Ferreira, aluna do Mestrado Integrado em Engenharia de Materiais, está no 4ºAno e nunca votou. Para a mesma, a elevada abstenção é “expectável”. “Entre quem como eu já desistiu do sistema e quem nunca teve interesse nele, não há muita gente a sobrar”, explica.

Apontando o dedo ao sistema democrático, Nicola acredita que o voto “não vale absolutamente nada” e só quem tem “algum poder social consegue mudar alguma coisa”. “Já sei que o grupo pelo qual opte não irá ganhar”, afirma, acrescentado que não se costuma identificar com “a fraca diversidade de grupos no qual se pode votar”.

“Entre quem como eu já desistiu do sistema e quem nunca teve interesse nele, não há muita gente a sobrar”

Nicola Ferreira

Quando questionada se há alguma atitude que os representantes dos alunos possam tomar para que se sinta atraída a votar, sublinha que falta demonstrar “um pouco mais de assertividade e fazer, em bom português, mais barulho”. No entanto, permanece cética: “mesmo que apareça alguém com a coragem e motivação para isto não temos na verdade grande poder para mudar seja o que for”.

Vê muitos dos representantes como “fantoches” e “ministros de propaganda”. “Sei que têm lá muita gente genuína com o intuito de melhorar as condições de todos”, mas “existe ainda uma percentagem considerável de elementos que se envolvem apenas com o intuito de arranjar mais uma bela atividade para pôr no currículo”.

A perceção de Nicola é semelhante à de João Almeida, que estuda Ciências da Comunicação há cinco anos e, se votou, foi só no primeiro ano, conta. A justificação é simples: “passa-me bué ao lado”. Interroga-se se é um “caso raro de alguém que é completamente desatento”. “Eu não posso ser os 80% de abstenção da AAUM”, confidencia. “Se casos como eu existem é porque falta alguma coisa em mim, mas também da parte deles”.

“Se casos como eu existem é porque falta alguma coisa em mim, mas também da parte deles”

João Almeida

A abstenção ser tão alta não o surpreende. “O mais grave é que a abstenção acaba por ser um bocado irrelevante, porque a campanha que eles fazem, seja qual for o fim dela, funciona. O modo como as coisas são feitas e têm sido feitas funciona para eles. E eu digo eles como se fossem oposição. Estás a ver? É o tal distanciamento”, enfatiza o aluno de Ciências da Comunicação.

Não nega o quão “importantes” são os órgãos nem “a influência que têm no percurso académico”, porém falta “tornar mais explicito a importância e utilidade”. Por exemplo, João não tem memória de alguma vez ter ouvido falar no Conselho Geral.  No seu ponto de vista, a passagem de informação “tem de ser feita de uma maneira a que pessoas como eu não possam dizer ‘nós não ouvimos’”.

João e Nicola são apenas dois rostos dos milhares que não votam em eleições académicas. São um retrato da descrença de quem vê na universidade uma mera passagem.

  • Do outro lado da moeda, há quem não abdique de votar

Mateus Vasconcellos, estudante de Direito e presidente da ELSA UMinho, reconhece o quão necessário é estar presente na vida das associações. Essa vida começa no boletim de voto e com “o dever de participar nas eleições”. “O estudante possui a força de votar e tentar influenciar o rumo da associação, que tem poder de representatividade”, considera.

Desinteresse “pelo trabalho da associação” e estagnação “das caras que estão por lá” são os conceitos que, aos olhos de Mateus, caraterizam a elevada abstenção na academia minhota. “As pessoas sentem que não têm força para mudar as coisas”, realça. O estudante menciona ainda um caso particular: os estudantes internacionais. “Sentem-se profundamente afastados por não haver representatividade, por não haver pessoas que estão lá a fazer algo por nós”, salienta Mateus, sendo que ele próprio é estudante brasileiro.

Desta forma, o que o tem “entusiasmado muito” nesta eleição é “ser concorrida, não só entre duas forças, mas entre três listas com pautas importantes e com representação internacional”. “Ver caras internacionais [nas listas] pode conduzir a uma maior participação”, julga. Às listas cabe, além do “incentivo clássico”, “tentar mostrar as pautas concretas e o impacto que, neste caso, o Conselho Geral, tem na vida dos alunos”.

Beatriz Melo está no primeiro ano do Mestrado em Relações Internacionais. Para a estudante de RI, votar é “ter voz” e é participar “na construção de uma representação melhor e mais interventiva”. Todavia, entende quem não pensa desta forma. O desinteresse advém da crença “que estas eleições não irão afetar diretamente as suas vidas”.

O aumento da “competitividade” com “melhores projetos e alternativas para os diferentes órgãos” da academia traduz-se, na ótica de Beatriz, em mais “motivação e mobilização” para os estudantes irem votar. Só indo às urnas é possível “apoiar quem apresenta as melhores propostas e soluções para os problemas e anseios do quotidiano dos alunos”.

Na linha da frente para o combate à abstenção, é “essencial que os representantes se deem a conhecer e às suas propostas através das redes sociais, de entrevistas e debates”. Assim alcança-se “uma melhor clarificação das suas ideias” e “uma discussão mais aberta e interativa”.

Quatro alunos, duas perspetivas de encarar a vida política na universidade. Entretanto, com aulas online até ao fim de março, as companhias de qualquer estudante são o computador e o telemóvel. É com esses dispositivos tecnológicos que poderão votar nesta quarta-feira, dia 17. Se o farão ou não é uma das incógnitas até lá.