As Intermitências da Morte é um romance de José Saramago, lançado em 2005. A obra literária constrói a absurda utopia da eternidade e promete desmistificar o sonho que se afirmaria num grande pesadelo.
“No dia seguinte ninguém morreu.” é o mote que inicia e encerra o livro. Através de um cenário irreal, a morte deixa de desempenhar funções. Poderia dizer-se que o livro está dividido em duas partes. Nas primeiras cem páginas a história centra-se em questões filosóficas e sociais, resumidamente as sequelas do desaparecimento da morte. Nas restantes, aborda-se quase em concreto a serial killer feminina, ao ponto de lhe dar vida e emoções.
Num determinado país deixam de haver mortos, mesmo em situações que não explicam o acaso de a vida lhes continuar a administrar tempo. Esta insólita eventualidade determina a necessidade de criar soluções para os problemas vindouros. Em tom objetivo, embora apto a divagar por filosofias, aborda as consequências. Retrata a crise das funerárias, os hospitais e lares que iam reunindo cada vez mais centenários. Expõe, além disso, o conflito da igreja, visto que sem morte não há ressurreição e a crise de impotência relativamente àqueles que, conquanto de estarem vivos, clamavam de sofrimento pela morte. De uma forma bastante bem elaborada e coesa, o autor desenvolve um conjunto de raciocínios enunciados por parte de diversos cargos da sociedade, o que permite ver esta irrealidade com mais nitidez, trazendo alguma veracidade ao artificial que foi construído.
Saramago indaga sobre a morte, num escorrido pensamento sobre a hipótese de ser universal, ser a mesma que mata o homem, o animal e o vegetal. Propõe também a análise da mesma sob o juízo de significar para a humanidade, que tem consciência do fim dos dias, o mesmo que para os animais, que desconhecem a ideia de suspiro final. Pretende ainda abrir um fosso que diste matar de “dar a morte”. Levanta esta problemática quando uma família atravessa a fronteira para que os entes queridos possam partir, sendo criado um alvoroço em torno destes novos assassinos, como apressadamente a população acorreu a classificá-los.
O autor propôs inclusive uma autocrítica a meio da obra. Por intermédio de uma carta escrita pela morte, anotou a forma singular como esta escreve: a “ausência de pontos finais”, “sintaxe caótica”, “virgulação aos saltinhos” e a “intencional e quase diabólica abolição da letra maiúscula”.
A morte foi, ao longo das várias páginas, desenhada aos leitores. Ergueram-se esboços como a ideia de caveira, de um esqueleto embrulhado num lençol, e artefactos como a gadanha e as roupas. Aliado ao facto de a morte ser maioritariamente reputada pelo sexo feminino, decide humanizá-la, fazê-la mulher. Na parte final a morte apaixona-se por um violoncelista a quem deveria tirar a vida e não a roupa. Assim, incorre numa trivialidade no que diz respeito ao rumo da história, sendo este desfecho previsível à medida que se folheiam as páginas.
Saramago tem um ritmo muito próprio e fluído. O facto de os diálogos serem marcados por uma letra maiúscula e interrompidos por vírgulas e não travessões também lhes confere essa maior fluidez. Ainda que inicialmente se possa estranhar por ser invulgar, ao longo da leitura começa a ser familiar e indistinto. As frases verdadeiramente longas, quase infinitas são outro aspeto que pode causar um desconforto inicial, mas à semelhança do anterior é resolvido ao longo da obra.
As Intermitências da Morte acaba como começa. De acordo com o escritor e seguindo alguma lógica, esse fim inicial induz a repetição dos eventos pioneiros. E, se a curiosidade for muita sobre a continuidade da história, o conselho é começá-la novamente.
Título Original: As Intermitências da Morte
Autor: José Saramago
Editora: Porto Editora
Género: Romance
Data de Lançamento: 2005