Celebra-se esta segunda-feira, 22 de março, o Dia Mundial da Água. Tem como objetivo levar à reflexão e criação de estratégias para a sua preservação.
Isabel Antunes, diretora do curso de Ciências do Ambiente na Universidade do Minho, em entrevista ao ComUM, fala da consciência dos jovens em relação à situação da água no mundo. Os progressos na gestão dos recursos hídricos por parte da população e alternativas sustentáveis são outros tópicos abordados.
ComUM: Como professora de Ciências do Ambiente, na relação com os alunos, sente que há consciência da situação da água no mundo? Problemas como o stresse hídrico e a escassez, por exemplo?
Isabel Antunes: Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, enunciados pela Organização das Nações Unidas em 2015, a alcançar em todo o mundo até 2030, requer a implementação, a nível local e global, de medidas concretas em áreas como a educação, a saúde, o trabalho e o ambiente. Entre os dezassete ODS estabelecidos pela ONU, a água tem um lugar de destaque, no objetivo 6: “Garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável para todos”, e de forma indireta nos restantes. O reconhecimento destas medidas mostra uma preocupação e intervenção a nível global, perante a consciência da problemática da escassez de água, cada vez mais debatida e reconhecida no meio académico. Estou certa de que a consciencialização desta situação por parte dos jovens universitários será um marco na mudança de atitude, fundamental no futuro de todo o planeta.
ComUM: O Dia Mundial da água assim como o Dia Mundial dos Oceanos traz todos os anos várias campanhas de sensibilização sobre o assunto. Tendo um contacto direto com os mais jovens, uma abordagem contínua sobre estes temas ao longo do percurso escolar mudaria o cenário que vivemos atualmente?
Isabel Antunes: A Humanidade está hoje perante problemas de grande complexidade e magnitude cuja não resolução adequada e atempada, provocará, certamente, problemas sociais de âmbito nacional, regional ou mundial e, no plano ambiental, é suscetível de pôr em sério risco a própria existência humana. Não entendo que sejam problemas desta ou daquela região, dos países ricos ou dos países pobres, mas da comunidade internacional no seu todo, e de cada um de nós! Esta situação terá de ser suportada com adequadas medidas de governança, aos vários níveis de decisão, e com base numa assumida estratégia de desenvolvimento sustentável. As atitudes e ações desenvolvidas pelos jovens, tem vindo a contribuir para uma mudança de atitude, em termos de consumo e preservação da água.
ComUM: O Dia Mundial da Água surgiu em 1992 com o intuito de consciencializar as populações sobre o uso responsável da água, assim como a conservação e desenvolvimento de recursos hídricos. Temos vindo a fazer progressos ou o cenário é cada vez mais preocupante?
Isabel Antunes: Ao longo dos últimos anos, temos vindo a assistir a um uso mais responsável e consciente da água, o que revela um progresso bastante positivo na preservação dos recursos hídricos. No meu entender, os jovens são os principais dinamizadores desta mudança de atitude, transmitindo-a aos seus pais e avós. Estou certa de que o futuro dos recursos hídricos e o seu progresso, em termos de quantidade e qualidade, está na linha de preocupação dos jovens e a sua intervenção tem vindo a ser indispensável.
ComUM: A água nas indústrias pode ser usada como matéria-prima ou uso auxiliar, o que equivale a cerca de 22% da água usada mundialmente. Que consequências teremos perante estes números e quais as alternativas mais sustentáveis que têm vindo a ser postas em prática?
Isabel Antunes: A reutilização da água resultante da atividade dos três principais setores – agrícola, industrial e doméstico – está na base da sustentabilidade de qualquer recurso, e em particular da água, permitindo encerrar o seu ciclo com os menores “desperdícios” possíveis. Gostaria de recordar, o Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal aprovado, em linha com as diretrizes internacionais (Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, Acordo de Paris e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), que coloca como meta a reutilização dos recursos. Nesta ótica da economia circular, pretende-se uma melhoria da eficiência deste recurso, passando por um aumento da reutilização e reciclagem da água.
No caso da indústria, a reutilização das águas residuais, bem como, a valorização de lamas provenientes de estações de tratamento de efluentes, como fonte de matéria orgânica, nutrientes e energia, passíveis de serem recuperados e reutilizados, deve estar sempre presente.
Para terminar, gostaria, também de salientar a necessidade de as cidades alterarem a forma como (re)utilizam as águas pluviais e residuais, por exemplo com aplicação na rega de jardins e lavagem da via pública. Esta mudança de atitude exige a criação de normativos legais, à semelhança dos existentes na indústria, mas que permitirá uma otimização do uso da água, redução do consumo e das perdas, com o aproveitamento de águas pluviais e reutilização de águas residuais tratadas para fins compatíveis.
Eva Monteiro, presidente da Society LTP Minho, também em entrevista ao ComUM, apresenta a visão da Society. Alternativas para a redução do consumo de água, a poluição marítima e o equilíbrio na sustentabilidade são temas discutidos.
ComUM: O slogan da Society diz-nos que “É tarde demais para ser pessimista”. Há esperança para reverter o cenário de escassez de água no mundo?
Eva Monteiro: Enquanto Society, o nosso objetivo sempre foi adotar uma visão/posição positiva em relação à sustentabilidade, de modo a mostrar, nomeadamente à comunidade académica, como é fácil adaptar alguns dos nossos hábitos para práticas mais sustentáveis e a mesma posição se mantém para o problema da água a nível global. É de extrema importância apelar para uma boa gestão individual dos recursos hídricos, porque muitas vezes é um recurso que tomamos como garantido e não pensamos em economizar. Penso que é algo que tende a acontecer pelo facto de não considerarmos o impacto que podemos ter como pessoas individuais, e acabamos por menosprezar as nossas próprias ações.
ComUM: Quais as campanhas de sensibilização que a Society tem vindo a fazer sobre este assunto? Que alternativas/dicas têm para reduzirmos o consumo de água em casa? Que alternativas sustentáveis, de um modo geral, podemos e devemos tomar no nosso dia a dia?
Eva Monteiro: Desde a sua formação, a Society já teve oportunidade de alertar inúmeras vezes relativamente a temas relacionados com a água, desde a importância de uma boa gestão destes recursos e de soluções simples que podemos adotar como:
-Lavar o carro com balde e esponja ao invés de mangueira, que pode reduzir até 450L de água;
-Lavar os legumes em bacias de água e reutilizar a água para regar as plantas em casa;
– Sempre que possível lavar a loiça na máquina e não à mão – Em média, a lavar a loiça à mão são gastos 8 litros de água por minuto, numa máquina a média ronda os 20 litros por programa;
– Guardar a água que deixamos a correr para aquecer a água do banho num garrafão, por exemplo, e reutilizá-la para lavar as mãos, os dentes, regar as plantas, para fazer descargas do autoclismo, etc. e reduzir a duração dos banhos – por norma, um banho gasta cerca de 12 litros de água por minuto, o que significa que se reduzirmos 1 minuto no nosso banho, ao fim de um ano estamos a poupar cerca de 4300 litros de água. Se todos os alunos da UMinho tiverem essa preocupação, estaremos a falar num total de 86 milhões de litros de água, ou seja, quase 35 piscinas olímpicas.
Temos alertado também para o problema da poluição marítima e do seu impacto em todos os ecossistemas, onde já tivemos a oportunidade de mencionar a questão dos recifes de coral, a poluição com microplásticos, acidificação dos mares, entre outros…
Adicionalmente, a Society, tal como já foi divulgado (inclusive pelo ComUM), está atualmente a trabalhar num projeto em conjunto com a Primavera, SASUM e NEEEICUM, designado Nautilus, que tem como objetivo alertar para uma utilização regrada de água durante os banhos. Trata-se de um dispositivo que conta em tempo real o número de litros de água que está a ser gasto no banho, e tem como objetivo principal sensibilizar os utilizadores quanto a essa quantia. Este projeto surgiu da necessidade de “acordar” as pessoas quanto à água que gastam diariamente nos banhos, porque muitas vezes nem temos noção e uma pequena alteração pode gerar uma poupança gigante em água.
ComUM: Quais são os produtos mais poluentes nos oceanos? Qual é o impacto dos micro plásticos?
Eva Monteiro: Infelizmente, hoje em dia encontra-se um bocado de tudo nos nossos oceanos. O problema principal é, sem dúvida, os plásticos e os microplásticos, que são umas das maiores preocupações atuais. Os microplásticos são formados de forma não intencional, em consequência do desgaste do plástico não reciclado ao longo do tempo, tornando-se partículas cada vez mais pequenas através do impacto do sol, vento, água e microrganismos e são maioritariamente provenientes da lavagem de têxteis sintéticos, desgaste de pneus, sacos de plástico, garrafas e redes de pesca. No entanto, o impacto dos microplásticos não é visível apenas no oceano, uma vez que os seus efeitos tanto na água como na fauna marinha, vão ter consequências nas nossas vidas. Podem chegar aos indivíduos através da cadeia alimentar, pelos alimentos que consumimos, como é o caso do peixe e até mesmo do sal, bem como pela água da torneira.
ComUM: Há alguma forma sustentável de manter dois mundos, por exemplo: alguém que “aprecia de banhos de sais”, mas que queira ter um comportamento a favor do ambiente?
Eva Monteiro: Equilíbrio. Na minha ótica é uma das palavras-chave da sustentabilidade. Temos de começar a dar mais peso às nossas ações, e não a descartá-las. Enquanto Society, o nosso papel não é impor ou exigir mudanças drásticas, ao invés, optamos por trabalhar em encontrar alternativas e soluções fáceis para o dia-a-dia do indivíduo, e que o permitam fazer a diferença. É possível ser-se melhor, por nós e pelo Planeta.