Das inquietações à complexidade da vida, Tiago e Leandro encontram o alento para arquitetar poesia, verso a verso e estrofe por estrofe.
Celebra-se este domingo, dia 21 de março, o Dia Mundial da Poesia, que tem como objetivo a promoção da leitura, escrita, publicação e ensino da poesia no mundo. O ComUM esteve à conversa com Tiago Ferreira e Leandro d’Freitas, jovens poetas e estudantes da Universidade do Minho, que confidenciam o processo até o nascimento de um poema.
Oriundo do Mestrado em Literaturas de Língua Portuguesa, Tiago Ferreira é amante de poesia. A paixão pela escrita surgiu com “mais naturalidade” durante a Licenciatura em Economia, na qual ingressou como uma decisão mais racional em termos de perspetivas de emprego. Contudo, ressalva que da Literatura à Economia a distância não é tão longa como se julga, pois “economia não é só números, é prever comportamentos humanos”.
“Escrevo para me sentir melhor comigo mesmo”, admite. Caraterizando-se como um escritor “indisciplinado”, é a leveza da poesia que lhe dá essa permissão. “A poesia é um momento de libertação, é um momento breve tal como é a vida: efémera”, declara o jovem. Mas, diz discretamente, há uma tentativa de romance na gaveta.
Tiago Ferreira encara o poema, pelas palavras de Lobo Antunes, um dos seus escritores preferidos, como “um organismo vivo”. No momento da escrita, não está “ciente” daquilo que está a fazer, “é uma mão inconsciente”. E acrescenta: “Quando é que um poema está terminado? É ele que te diz quando deves parar”.
É na necessidade de partilhar não com o mundo, mas com ele próprio, “alguma inquietação profunda” que tudo principia. Sobre o estímulo vital assegura: “É uma inspiração interior, não muito definida e tem em conta impulsos de eu sentir que preciso de imortalizar um sentimento num texto, num poema ou num fragmento”.
“Faz parte” existir momentos em que a escrita “não sai tão bem”. “Acima de tudo, tem de haver um respeito mútuo para com aquilo que se está a escrever. É necessário escrever coisas não tão boas para outras melhores poderem surgir”, recorda.
Nesta linha de raciocínio, e só com 22 anos, tem já dois livros publicados, os quais “não têm nada de sofrimento, mas têm muito de dor”. “Aquela dor que te faz crescer humanamente”, descreve Tiago Ferreira.
“A Poesia que há em Nós” é a sua primeira obra, que brotou de uma coletânea de textos guardados. Tiago guardava-os para ter “noção do crescimento” e sem intenção de os publicar. Encontrou “por mero acaso” um concurso da editora Poesia Fã Clube, submeteu o seu “documento word” e a “qualidade” dos trabalhos acabou por ser selecionada. “Naquele momento eu fiquei felicíssimo”, confessa o estudante. Por sua vez, o segundo livro “Sentir Fora da Caixa”, da editora Chiado, navega na linha do amor, da simplicidade e foi preparado já com outra maturidade.
A poesia é “menosprezada”, na ótica de Tiago Ferreira, uma vez que “é uma forma de arte que exige um comprometimento por quem está a ler que ultrapassa a preguiça”. Relativamente à importância de ter um dia dedicado à Poesia, crê que é um lembrete de que a poesia deve ser valorizada todos os dias.
O paraíso de mim
Na luz do desassossego
no jardim da alma
encontro um mar de silêncio
um paraíso de calma
Encontrei-me no infinito
no amanhecer de mim
nele nasci, aprendi a ser
foi o início do fim
Fragmento do respetivo poema, Tiago Ferreira
Leandro d’ Freitas está no segundo ano da Licenciatura em Física, contudo, além da relatividade, a poesia pertence, igualmente, ao seu dia-a-dia. “Não é por estar num curso de ciências que não tenho de desenvolver a parte sensível no campo das letras”, assume.
“A física permite ver a realidade de várias formas, nomeadamente através da física quântica, o que, aliada à própria criação artística, sem dúvida, potencia e nos eleva a outros estados de consciência, estados de perceção da própria realidade”, afirma.
É no 10º que começa a grafar versos e desde aí nada é “dissociativo”. Na verdade, “Poesia Fragmentada, Fragmentos de um Jovem Poeta” é o nome da sua obra, reflexo dos tempos do seu secundário e as emoções intrínsecas a essa época. Escrever era uma forma de “evasão” e de estar sozinho. “Eu tropecei na escrita desse livro sem ter consciência que estava a escrever um livro”, confidencia Leandro d’Freitas.
A escrever poesia sente uma “grande liberdade”. Aliás, é nessa liberdade que encontra a “capacidade de observar o horizonte e de ver toda a panóplia de possibilidades de inspiração que existe e ir transitando entre elas”. Nessa infinitude de inspiração, remata: “O que me inspira é a vida e a própria vida é tudo”. Compara-a, inclusive, a uma fonte: “as fontes não são eternas, não sendo eternas hoje pode dar água como amanhã pode não dar”.
Porque é que brinco de poeta?
Porque é que rabisco as tiras
Das árvores que morreram
Em prol deste meu fidalgo
Prazer?
Porque é que o que penso
Escrevo e depois de o escrever
Volto a pensá-lo?
Fragmento do respetivo poema, Leandro d’Freitas
Desta forma, quando a fonte seca, há que navegar na própria escrita e questionar. Ele próprio já não está numa fase de grande produção escrita derivado a estar na “prisão” de reler as coisas já feitas à procura de conseguir distanciar-se dos clichês.
Como solução à indiferença perante este género literário, Leandro d’Freitas considera que “a sociedade precisa de pessoas que leiam e que se descubram nessas mesmas leituras”. No Dia Mundial da Poesia, o propósito é “relembrar às pessoas que a poesia cá está”, todavia “é fundamental fazer com que ele se permute por todos os dias do calendário”.