Celebra-se este sábado, dia 27 de março, o Dia Mundial do Teatro, que tem como objetivo a promoção direta das artes de palco e decorre este ano em circunstâncias muito particulares devido à pandemia. Ilídia Alves , estudante de  Teatro na Universidade do Minho e Mara Santos, atriz, revelaram a importância da formação na arte teatral, assim como reflectiram sobre os obstáculos de quem quer fazer do palco a sua casa.

 O surgimento da paixão pelo teatro

Para Mara Santos, a paixão pelo teatro surgiu naturalmente. A ex-aluna da academia minhota terminou a licenciatura há quase dois anos e trabalha agora como professora em Atividades de Enriquecimento Curricular (AECS) e faz trabalhos pontuais como atriz. No entanto, a jovem admite que nunca sonhou muito com isto e que “não foi nada premeditado”. Mara Santos  conta que tudo começou quando, no ensino básico, queria frequentar uma atividade extracurricular e estava indecisa entre andebol e teatro, mas acabou por escolher a área artística, ingressando no teatro amador, porque era “menos dispendioso”. No secundário, a jovem frequentou o curso profissional de atriz e decidiu continuar os estudos na Universidade.

Por outro lado, Ilídia Alves, que frequenta o 2º ano da mesma licenciatura, afirma que a sua história “não é tão fascinante como muitas pessoas que começaram logo no teatro, em Companhias, ou que já tinham alguém na família” ligado à área. Para a estudante, o interesse começou no ensino primário, quando começaram a surgir pequenas peças de teatro e, mais tarde, no ensino básico, foi para Londres, onde pôde conhecer melhor a área. No entanto, a jovem revela que sempre foi uma pessoa extremamente insegura e que isso dificultava a exposição das suas ideias. Porém ressalva que “há maneiras de mostrarmos o nosso eu artístico mesmo sem palavras”.

Na ótica de Ilídia Alves , “nunca é tarde demais para se iniciar no teatro”, desde que haja “interesse e paixão” e acrescenta que “a paixão às vezes até se cria, porque, por vezes, não temos noção que gostamos das coisas até as experimentarmos”. Mara Santos partilha da mesma opinião e acredita que começar mais tarde não é um impedimento, mas que “fazer disso vida, se calhar vai interferir”, porque “quanto mais tempo se tiver de formação, melhor”. No entanto, para Ilídia Alves, “tudo vai depender da idade da pessoa e a informação que consegue absorver”.

Os obstáculos de quem escolhe o teatro como forma de vida

Mara Santos confessa que sempre sentiu o apoio da família e dos amigos, mas que houve sempre receio por ser uma área instável. “Só levaram a sério quando nas audições ouvi um ‘sim’”, afirma. No entanto, a professora de teatro reconhece que esta é “uma área desvalorizada na sociedade”, assim como Ilídia que refere que as pessoas “têm de ter a mente mais aberta e não estar sempre com comparações”. A estudante admite ser “muito sonhadora”, mas reconhece que “as pessoas têm de ser pagas” e que, se não conseguir trabalhar na área, terá de se “sacrificar”.

Mara Santos

Ilídia Alves considera que a licenciatura “já vem com alguns problemas desde o início” e que isto se deve “à falta de interesse pelo curso”. Embora a aluna defenda que “parte da disponibilidade de cada um para aprender e evoluir”, há ainda aspetos no curso “que precisam de mudar, especialmente os espaços, que não são nada adequados”. A estudante explica que cada ano tem cerca de 30 alunos e que o espaço para os estudantes de todo o curso são apenas duas blackboxes. “Estamos a falar de 15 grupos de trabalho e duas salas para trabalhar. E essas duas salas têm janelas e só este ano meteram cortinas, que é uma coisa tão básica para se ter numa blackbox, para não haver entrada de luz”, acrescenta ainda. Ilídia esclarece que “para se fazer um trabalho há que criar uma atmosfera, para o trabalho de luzes, e uma coisa tão simples quanto isso demorou imenso tempo”. Para contornar o problema, os alunos colocavam-se em cima de mesas para colar cartões nas janelas.

Quanto à adaptação das aulas face à pandemia, Ilídia Alves salienta que tem sido “muito complicado”, porque teatro exige “muito contacto físico” e sente falta dessa parte. Nas aulas presenciais, “é muito cansativo fazer os exercícios com máscara” e, nas aulas online “não é tão fluído e dinâmico”. No entanto, a estudante considera que “o artista tem de estar constantemente a reinventar-se e adaptar-se”, mas, apesar de sentir que os docentes têm feito tudo ao seu alcance, toda esta situação “é revoltante”.

 A entrada no mundo do trabalho

Relativamente à preparação do curso para o mercado de trabalho, Ilídia Alves e Mara Santos sublinham a importância de fazer uma especialização depois da licenciatura. “Como é um curso que abrange tanto, tem um lado bom e um mau: se quiseres algo muito específico não vais ter, mas também podes descobrir coisas que nem sabias que gostavas de fazer”, completa a professora. “Depende muito daquilo que quisermos, pois teatro tem muitas coisas. Para se ser atriz, fica-se com algumas bases, mas não são completas. Mas quando uma pessoa acaba o curso é preciso sempre mais. Não que o curso seja mau – não é ótimo – mas está em melhoria”, conclui Mara Santos.

As jovens acreditam que tirar uma licenciatura na área é sempre uma mais-valia e que educação nunca é demais. “Um ator nunca pode parar de estudar, porque se não estagna e não consegue evoluir”, afirma Mara Santos. Contudo, é frequente pessoas sem formação serem contratadas, em vez de atores profissionais. “Já aconteceu a amigos meus, em castings, perguntarem quantos seguidores têm. O que é que isso define?”, acrescenta. “Revolta-me muito e é injusto, porque nem sei se devo desistir. Esses números no Instagram não definem o teu trabalho”. Ilídia Alves reconhece que é algo que lhe dá receio: “um artista trabalha tanto para aquilo que é a sua arte e depois quando tenta não lhe é dada a oportunidade”.

Ambas consideram quem “quem está empenhado, mesmo sabendo pouco, praticando e trabalhando, com insistência, vai conseguir chegar ao patamar de uma pessoa que já tem esse talento por natureza”. No entanto, Mara acredita que também é preciso ter sorte e “estar no sítio certo à hora certa”.

A professora refere que “há muita gente a querer fazer projetos, mas os orçamentos são cada vez mais baixos e as bolsas cada vez mais reduzidas, porque recebem menos financiamento”. Mara confessa estar preocupada com o futuro da área, “porque o teatro vive muito do agora, da adrenalina de ter público e do contacto com a pessoa” e não vê isso acontecer tão cedo. “Tenho muito medo do que possa acontecer ao teatro. Temos mesmo que lutar por isto e ser resilientes”. A jovem explica que a principal preocupação se deve à incerteza do futuro: “Vamos continuar a ter as salas cheias? De repente, nunca mais ficaram iguais. É constantemente uma ansiedade. Antes já era incerto e agora é muito mais”.

O lugar do teatro na sociedade

Mara Santos considera que cada vez mais há teatro acessível e que existem ainda muitos espetáculos gratuitos, mas que as pessoas são “comodistas e estão habituadas a estarem em casa”. A artista defende que o gosto pelo teatro é algo que não está incutido na sociedade e que, apesar de ser atriz, os seus pais nunca a levaram a ver nenhuma peça. “Portugal seria um país mais culto se fosse mais ao teatro. Mas as pessoas acham que é caro ou é algo só para intelectuais e que elas não entendem as peças – muitas vezes não há nada para perceber, basta ir e ver e o que sentimos é suficiente para ser uma boa experiência e querermos voltar”, conclui.

Ilídia Alves

A aspirante a atriz reforça que “a cultura é o que move um país” e que “as pessoas que deveriam querer um país melhor e mais culto cortam constantemente as asas aos artistas e não lhes dão segurança”. Em reação à falta de apoios, Mara Santos acredita que “os artistas têm de fazer barulho”, tal como Ilídia que afirma que a cultura não é valorizada como devia e é preciso “força e insistência para fazer com que a nossa voz seja ouvida”.

O que o futuro reserva

Para o futuro, Mara Santos espera ter mais trabalho como atriz e que “o teatro esteja melhor do que está agora”. Embora muitos dos seus colegas sonhem com Óscares e serem famosos, a professora aponta que esse nunca foi o seu objetivo: “se eu fizer teatro em Portugal e viver do teatro vou ser feliz de certeza”. Ilídia Alves também tem esperança de conseguir trabalhar na sua área, mas admite a opção de conciliar teatro com outra atividade.