Diz a sinopse que um grupo de professores do ensino secundário decidiu testar a teoria de que um nível de álcool constante no sangue melhoraria as suas vidas. Aparentemente parvo. No entanto, Druk é muito mais do que uma premissa aparentemente oca e estúpida. Dirigido por Thomas Vinterberg, o filme dinamarquês canta uma humilde tragicomédia com empatia e organicidade.
Martin (Mads Mikkelsen) e o seu círculo de amigos vêem-se imersos na monotonia da vida: mais um dia, mais uma discussão com a esposa, mais uma aula a falar para o ar. Eis que encontram a esperança no fundo de uma garrafa. Em conjunto, passam a conduzir um estudo pseudocientífico com base na manutenção de 0,5 g/l, pois, segundo um psiquiatra norueguês, a quantidade natural de álcool no corpo humano é demasiado reduzida.
De repente, Martin passa de um professor quase moribundo a um docente intrépido, enérgico e interessado. Se antes mal conseguia manter uma linha de raciocínio, agora fomenta a hora de estudo com curiosidades sobre o alcoolismo de figuras históricas, como foi o caso de Winston Churchill. Há uns copos atrás, olhávamos de perto a meia-idade e o desconsolo que dela brotou, mas a sensação de mudança para melhor fez-se potável e corre-nos nas veias.
Um casamento à beira do divórcio parece agora prosperar e o cansaço intrínseco à repetição inevitável de cada dia ultrapassa-se por momentos outrora tidos como aborrecedores. A beber shots nas casas de banho da escola ou a mandar penaltis no pavilhão desportivo, os quatro amigos fazem questão de implementar um recolher alcoólico à Hemingway, que não bebia depois das oito da noite. Assim se eleva a dimensão de comédia, com uma aventura que parece distanciar-se da realidade, levando o espectador de arrasto por consequência.
As personagens mudam drástica e repentinamente, num turbilhão mágico que tão depressa as coloca no auge da alegria como as faz cair para o fundo do poço. Mas, por cada passo que nos leva para longe da tangibilidade de Druk, há uma delicadeza colossal a nível de fotografia, elenco e direção que nos puxa de imediato para o centro da narrativa. Vinterberg não investe propriamente mundos e fundos na complexidade dos planos, mas segue atenta e fluidamente cada sinuosidade no humor dos dinamarqueses.
Além disso, deteta-se uma perspetiva muito humana: tanto pelas transformações na órbita interpessoal das personagens, que ora se amam e reaproximam, ora se desentendem e divorciam, quanto pela (re)descoberta de uma aparente fonte de felicidade para a qual acabam por cair fulminantemente. A imprevisibilidade orgânica de alguns momentos contribui também para este aspeto. A título de exemplo, olhemos para Martin que, a dada altura, já com uma borracheira simpática, se vê dentro da sala dos professores. Prestes a safar-se de uma situação que tem tudo para correr mal e já a chegar à porta, espeta uma cabeçada na parede de tal forma que quase fica sóbrio outra vez.
Há muito que se perde na tradução, incluindo a intenção do título original. “Druk” significa beber ou bebida, e passa um pouco longe daquilo que se transmite com “Another Round”. No guião, encontramos algumas referências à cultura alcoólica da Dinamarca, mas este filme não se delonga em quesitos morais ou sociais. Druk é invasivo e, com a oferta de uma escapatória que tanto tem de oásis como de precipício, Vinterberg volta a desenhar a vulnerabilidade com um compasso vívido e genuíno.
O próprio passado de Martin confere ao filme uma componente poética, que facilmente se tornaria dissonante, mas que é doseada o suficiente para atingir uma dualidade cinemática. Em tempos áureos e idos, Martin era bailarino. Ora, contra os movimentos subtis do ballet, temos o físico maciço de um homem alto e robusto que parece feito de mármore. No momento da catarse, é a dança que fecha o filme com chave de ouro.
Sentados a bordo de um pêndulo muito peculiar, estamos a um gole de distância da euforia ou da má sorte. Acompanhamos contrastes vertiginosos com o mesmo ritmo que os adolescentes correm à volta do lago – com a mesma volatilidade de uma bebedeira. Personagens autênticas e irreais, passados possíveis e improváveis, decisões questionáveis e tentadoras. Às vezes, com tropeções (ou turras) pelo caminho.
Terminamos literalmente suspensos no éter. Vinterberg põe fim à sua mais recente travessia com uma azáfama fugaz e pertinente, capturando o êxtase através de uma lente e descrevendo-o a cada movimento. Sentimos a catarse, o álcool, o poder e o infinito com o mesmo ímpeto que Martin os dança. Perpetua-se a fantasia através de um momento onde tudo é possível, assim que nos atiramos, indomáveis e de braços abertos, para o desconhecido.
Título Original: Druk
Realização: Thomas Vinterberg
Argumento: Thomas Vinterberg, Tobias Lindholm
Elenco: Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Magnus Millang
EUA
2020