Uma equipa de investigadores do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e da Saúde (ICVS) da Universidade do Minho revelou, numa revista científica, uma molécula que pode prever a evolução dos doentes de Covid-19. Os responsáveis pelo estudo foram Ana Frias, André Cruz e Ricardo Silvestre. O ComUM esteve então à conversa com Ricardo Silvestre para perceber melhor esta descoberta e a sua importância.

ComUM – Como surgiu a oportunidade de estudar mais profundamente a molécula IL-6 no âmbito do Covid-19?

Ricardo Silvestre – Portanto, a IL-6 é uma molécula que faz parte de uma família de moléculas que temos no nosso organismo, que se chamam citocinas. Estas permitem, basicamente, comunicação entre células no nosso sistema imunológico. Todos nós, no sangue, nos órgãos, temos quantidades baixas desta citocina. Em certos casos, como os de infeções ou de trauma, o nosso sistema imunológico responde aumentando, consideravelmente, a concentração destas citocinas.

No Covid-19, o nosso sistema imunológico responde de forma exagerada. Portanto, há produção destas citocinas, mas em alguns pacientes mantêm-se números muito altos, aquilo a que se chama a “tempestade citocina”. Então, o nosso interesse, numa altura em que se sabia pouco sobre a doença [março 2020], baseou-se no facto do paciente, durante a infeção de Sars-Cov2, ter uma resposta híper inflamatória, que é responsável por grande parte da patologia e depois pelos problemas pulmonares que levam ao internamento e, em muitos casos, à morte.

Aqui, surgiu a hipótese da IL-6 como potencial biomarcador. Foi o nosso objetivo inicial- uma molécula que nos permitisse prever como é que os pacientes vão responder. E qual foi a nossa perspetiva? Bem, desde o verão que já se fala que a IL-6 é um bom preditor do resultado da doença. Mas, a maior parte destes estudos avaliavam estas moléculas no momento de admissão. E, sabendo nós que a infeção por Covid-19 é altamente dinâmica, fomos avaliar durante a hospitalização. Fizemos um seguimento individual de cada paciente, percebendo se a variação da IL-6 tinha alguma relação com o resultado da doença. A resposta foi afirmativa e confirmamos exatamente essa associação.

ComUM – No início do estudo, a equipa estava confiante de que seria um caminho promissor a seguir?

Ricardo Silvestre – Sim, foi sempre um alvo que surgiu como promissor. Nós começamos este estudo com recolha de amostras de pacientes em março/abril [2020] e as análises eram feitas no imediato. Mas, quando estávamos a preparar a publicação para a revista científica, começaram a surgir alguns estudos de colegas espanhóis, italianos que foram confirmando que a IL-6 era realmente um caminho promissor, o que nos deu confiança. A nossa inovação foi no termos feito o seguimento do paciente, que nos deu uma informação mais detalhada.

 ComUM – Até que ponto é que um estudo com apenas 46 pacientes pode ser verdadeiramente ilustrativo?

Ricardo Silvestre – Bem, a resposta sincera é que quantos mais pacientes seguimos, melhor. Há fórmulas matemáticas de chegar a um número representativo da população, no entanto, nós sabemos que quanto mais pacientes nós analisarmos, mais seguros vamos estar dos resultados. Neste caso em particular, aqueles 46 pacientes foi uma amostra muito representativa dos doentes que estiveram em cuidados intensivos durante aquele período. Mas, nesta terceira fase guardamos dados dos pacientes para que possamos confirmar, numa escala maior, o nosso estudo.

 ComUM – Que dimensão tem um estudo revelador como este numa fase de pandemia?

Ricardo Silvestre – Há uma necessidade de criar conhecimento e a nossa função enquanto investigadores é essa. Mesmo que não fosse útil nesta fase de pandemia, uma das coisas é nós trazermos conhecimento que possa ser usado para esta doença em particular ou para outras no futuro. Isto é algo que a ciência tende sempre a fazer. E, por exemplo, em alguns hospitais, principalmente no norte, já fazem esta quantificação da IL-6. Isto vai ser sempre importante porque haverá sempre pacientes a entrar nos cuidados intensivos, seja nesta fase de pandemia ou depois.

ComUM – O estudo foi realizado através do ICVS e da Universidade do Minho. Em que medida é que estes tiveram um papel importante na investigação que fez com a sua equipa?

Ricardo Silvestre – A Universidade do Minho e o ICVS são importantes porque nos dão as condições físicas e mesmo intelectuais. Mas, acima de tudo permite-nos algo que foi extremamente importante neste trabalho, que é o contacto próximo com o Hospital de Braga e com o Centro Clínico Académico. Isto, para nós investigadores, permite ter uma ligação muito direta com a parte com a realidade médica, que nos permite ajudar na resposta a problemas que surgem diariamente a nível hospitalar. Isto é uma das grandes vantagens.