O dia da Liberdade e da Revolução dos Cravos, em Portugal, recorda a importância da democracia no país.

Sandrina Antunes, diretora da licenciatura de Ciência Política na UMinho, em entrevista ao ComUM, aborda a “crise” pela qual a democracia está a passar, a perspetiva das gerações mais novas e as celebrações dos 47 anos do 25 de abril na Assembleia da República, quando decretado estado de emergência.

ComUM: Celebramos 47 anos do 25 de abril. Dado que em 47 anos há uma grande distância de gerações, sente que os mais novos (alunos) têm consciência e conseguem fazer uma análise daquilo que o 25 de abril foi, e é para a nossa história?

Sandrina Antunes: Penso que a distância do tempo não apaga as memórias históricas, sejam elas vividas na primeira pessoa ou não. Obviamente que é sempre bom poder partilhar histórias vividas, nomeadamente através dos nossos familiares ou amigos que possam ainda ter assistido ou mesmo vivido o 25 de abril. Todos nós teremos, porventura, um testemunho que nos leve de volta ao momento vivido. A função do testemunho vivido é precisamente essa: permite-nos recriar o momento para que o possamos viver ou reviver, depositando, assim, em cada um de nós a semente da pertença coletiva. Porém, caso não tenhamos um amigo ou um familiar que nos possa valer, os livros ou/e os filmes ajudam-nos a colmatar essa ‘falha’. Retratam em pormenor e, por vezes, com grande intensidade estes momentos da história que não podem ser esquecidos, daí a importância da cultura e da arte para a preservação da identidade de um país ou nação. Em suma, respondendo à sua pergunta: acho que os mais novos podem ter consciência daquilo que foi (e será sempre) o 25 de abril se tiverem essa curiosidade e vontade. Um cidadão ativo é um cidadão informado, consciente do seu passado, pois só assim poderá valorizar o presente e, quiçá, contribuir para um futuro melhor.

ComUM: A atual crise pandémica, e as consequências que ela traz, tem contribuído para a expansão dos extremismos e para a aceitação do discurso da exclusão. A liberdade e a democracia, conquistadas com o 25 de abril, estão agora ameaçadas?

Sandrina Antunes: Não direi que a liberdade e a democracia estão ameaçadas. Penso que fará mais sentido falar em ‘crise’: há efetivamente uma crise da representação democrática. A democracia está porventura doente, e estas falhas tornam-se normalmente mais visíveis em momentos de crise. Compete-nos a nós não apenas apontar as falhas, mas sim resolvê-las. Voltando à nova geração que mencionou anteriormente, acredito que esta nova geração terá um papel fundamental na resolução desta crise complexa, porém não indissolúvel. Não creio que a democracia irá morrer, porém, terá de ser repensada para que se possa reconstruir. Enfim, com 47 anos, vamos acreditar que se trata apenas da crise da meia idade. Talvez estejamos perante um momento de viragem, que por sinal, representa um momento bastante difícil da sua existência. Tudo muda, tudo se transforma, contudo, a nossa capacidade de diagnóstico e de intervenção serão determinantes na resolução desta crise que nos afeta a todos, direta ou indiretamente.

ComUM: A liberdade de expressão, alcançada há 47 anos, tem limites nos dias de hoje?

Sandrina Antunes: A pergunta é um pouco matreira, pois não acredito que exista qualquer condicionamento à liberdade de expressão hoje em dia em Portugal. Porém, procurando fugir à rasteira sem cair num simplismo excessivo, acredito que nem tudo possa ser admitido em democracia: as regras e princípios em que assentam a democracia deveriam ditar os limites da própria democracia. A atualidade política mostra-nos claramente que a ausência de limites em democracia é altamente disruptiva, podendo mesmo propiciar a penetração e afirmação de movimentos e/ou partidos antidemocráticos em contextos ditos democráticos.

ComUM: A celebração do 25 de abril, há um ano, na Assembleia da República, quando decretado estado de emergência, foi algo muito contestado pela opinião pública. As comemorações são o reflexo de uma data que não deve ser esquecida, ou uma ameaça à saúde pública?

Sandrina Antunes: Esta contestação é para mim um ‘não assunto’. As comemorações do 25 de abril não têm de ser celebradas com pompa e circunstância para que a memória possa perdurar no tempo, e sobretudo, em cada um de nós. Mais uma vez, volto a repetir: a criação e/ou preservação da memória coletiva faz-se em silêncio, dentro de cada um de nós, por convicção e vontade. Se pudermos celebrar, tanto melhor, pois estaremos a adicionar a alegria da partilha à celebração. No entanto, o contexto pandémico impõe restrições que compreendemos e aceitamos. Consequentemente, a celebração do 25 de abril em contexto pandémico deverá ser encarada como um ato simbólico que vale por aquilo em que acreditamos, e não tanto pela festa que possamos organizar em torno da mesma. O importante é continuarmos a acreditar no valor e na importância do 25 de abril, talvez mais do que nunca, pois é na dificuldade que devemos reforçar as nossas convicções. Temos, pois, a obrigação de manter a chama da Democracia viva, evitando, porque não, polémicas inúteis.

O tradicional desfile comemorativo do 25 de abril regressa à Avenida da Liberdade, em Lisboa, embora com restrições. A Direção-Geral da Saúde autorizou a iniciativa e diz que “existem condições” desde que sejam cumpridas todas as regras. No ano passado, a pandemia impediu a realização do desfile.