O desporto sofreu um forte abalo. É inegável que, desde que a pandemia se instalou, o mundo mudou a uma enorme velocidade e o desporto não foi certamente exceção. Muitos sacrifícios foram feitos e muitos sonhos foram destruídos, especialmente os dos nossos atletas que ansiavam brilhar nos Jogos Olímpicos no ano passado. No entanto, os atletas portugueses não deixaram de orgulhar o país e deram-nos lições para a vida, transformando adversidades em oportunidades que podem ser aplicadas no nosso quotidiano.
A pouco mais de quatro meses da competição, é mais do que certo que esta edição dos Jogos Olímpicos será diferente. No entanto, tal não significa que não trará momentos de alegria aos portugueses. Aliás, Patrícia Mamona, que contraiu Covid-19 e esteve quase a não poder ir aos Europeus de Pista Coberta, foi um dos maiores exemplos de superação e inspiração, ao conquistar o ouro em Torun, mostrando que no desporto, mesmo em tempos de pandemia, há lugar para a vitalidade e capacidade de vencer.
Os feitos destes atletas que elevam a bandeira nacional ao nível mais alto ganham ainda mais importância tendo em conta todo o contexto em que a sua preparação tem sido feita, pois passam pelas mesmas ansiedades e conflitos emocionais que toda a sociedade. Contudo, esforçam-se por reagir e adaptarem-se, não permitindo que a pandemia seja desculpa para um eventual insucesso. O desporto tem este poder de alargar conceitos, aplicados muitas vezes em alta competição, para aspetos do quotidiano, pois assim como os atletas de alta performance também nós, comuns cidadãos, temos de nos reinventar, conectando-nos à prática de exercício físico em casa e acelerando a digitalização das nossas vidas.
Não só os atletas olímpicos têm sido um exemplo de enorme resiliência, mas também os desportistas portugueses paraolímpicos, cuja comitiva já garantiu a presença de 27 atletas em Tóquio. Também eles contrariaram todas as dificuldades e foram promotores dos mais nobres valores do desporto. As modalidades desportivas têm a capacidade de desafiar estereótipos e quebram barreiras na sociedade, ao mesmo tempo que fomentam a defesa dos direitos humanos em todas as situações.
Cada vez mais os atletas são uma voz ativa na sociedade e envolvem-se em assuntos de cariz social, utilizando as redes sociais como plataformas para influenciar e mudar mentalidades. Apesar de muitos desvalorizarem o papel dos atletas noutras áreas da sociedade, limitando-os apenas a “jogar à bola”, exclusivamente focados no treino e competição, a verdade é que os tempos mudaram e os atletas têm forte poder de persuasão e capacidade para fazer a diferença.
Pensemos em Ricardo Quaresma que apresenta a sua história pessoal para desmistificar preconceitos contra a comunidade cigana. Recentemente, o jogador também publicou um vídeo com o seu filho, lembrando o papel fundamental dos professores que apoiam e incentivam os alunos, neste momento especialmente difícil, saindo assim da sua esfera profissional. Há quem pense que, por serem “meros atletas”, não têm de participar ativamente noutras matérias que transcendem o treino e a competição, mas admiro os que o fazem, quer de forma mais organizada ou espontânea.
Assim, os atletas podem fazer muito mais para além de nos inspirar desportivamente, por serem “role-models” para muitos. Podem ensinar-nos que o controlo sobre o nosso corpo e desempenho físico é tão importante quanto a gestão mental e emocional que os praticantes de atividade física têm de fazer, sobretudo porque os seus resultados dependem disso. Se há lição que a corrida me ensinou é que a mente tende a desistir muito antes do corpo. Muitas vezes, durante a corrida, sinto que estou a chegar ao limite das minhas forças e que tenho de parar, mas na verdade sei que o meu corpo aguenta muito mais, e o que tenho que fazer é convencer a minha mente disso. Ora, esta regulação emocional, o desenvolvimento de esforço em contexto de frustração, a disciplina e organização, que são capacidades essenciais para o sucesso de um atleta, transferem-se para as suas vidas.
Outro fator imprescindível para o êxito de um atleta passa por traçar objetivos realistas e ser persistente. Há quem procure alcançar resultados imediatos, mas que, quando não os atinge em pouco tempo, desiste. Esquecem-se que os atletas de topo, como Usain Bolt uma vez disse, treinam durante anos para correrem apenas durante alguns segundos. O que distingue uns de outros é o trabalho nos detalhes, muitas vezes invisíveis ao olhar comum, e o conhecimento cada vez maior sobre si mesmos a todos os níveis.