Afonso Dorido, mais conhecido como Homem em Catarse vai lançar Sete Fontes no dia 30 de abril. Numa conversa com o ComUM, o artista conta como surgiu o seu gosto pela música e o nome artístico. Quanto ao novo álbum, reconhece a sua importância perante um ano tão atípico onde a cultura está a ser muito afetada.
Quanto ao futuro, num momento tão incerto, o artista reconhece as dificuldades em programar concertos. No entanto há já algumas datas onde podemos ver Homem em Catarse com o seu novo disco Sete Fontes.
ComUM – Como surgiu a música na sua vida? E o nome Homem em Catarse?
Homem em Catarse – Surgiu porque eu sempre gostei da palavra Catarse, acho que é uma coisa que todos necessitamos de ter no dia a dia, emocional, sobretudo para não nos sobrecarregarmos com questões dentro de nós. Acho que precisamos de deitar cá para fora aquilo que pensamos. A arte é uma forma de refletir o que sentimos e pensamos. E então surgiu naturalmente nessa altura, em 2012 e 2013, para dar nome ao projeto, porque sempre fiz coisas muito emocionais e pessoais. Homem em Catarse é um projeto mais pessoal. Homem é no sentido de Humanidade não no sentido de género. Podia ser Humanidade em Catarse, Ser em Catarse, portanto não tem qualquer conotação de género. O Ser Humano em Catarse e talvez por gostar desde sempre dessa palavra, e também o sentido filosófico dessa purificação, acho que todos nós precisamos da nossa Catarse, uma Catarse à nossa maneira.
Mas a música surgiu antes do nome, comecei a ter aulas e tocar guitarra clássica aos 14 anos. Não foi logo desde cedo, mas em altura da adolescência e a partir daí dediquei-me bastante à guitarra e à formação nesse instrumento. Fui escrevendo e como sempre gostei de poesia escrevi alguns poemas e comecei a tocar com mais pessoas, as chamadas bandas de garagem. Entretanto fui tocando muito ao vivo com uma banda que ainda hoje toco. Fui ganhando experiência, foram surgindo os primeiros discos e em 2012 comecei a pegar no material que era mais pessoal e nasceu o projeto Homem em Catarse e desde aí tenho tocado muito, feito alguns discos e, entretanto, a minha vida passou a ser isto por diversos fatores, e aqui estou em 2021 com um disco novo a sair, ao piano, que é um instrumento que não tinha até à data explorado tanto. Tinha só alguns apontamentos no disco anterior, mas nunca me tinha dedicado tanto nem escrito tanto ao ponto de ser um disco 100% ao piano.
ComUM – Está prestes a sair um novo álbum. Como surgiu o álbum e o nome “Sete Fontes”?
Homem em Catarse – O disco surgiu muito por uma conjugação de coisas. A pandemia, o gnration que tem certos programas e encomendas, nomeadamente artísticas. O trabalho da casa promove, ajuda e proporciona a criação artística de pessoas naturais ou residentes em Braga. O gnration acabou por ser importantíssimo para este disco acontecer. E também o facto de deixar de tocar ao vivo, como todos os músicos tinha coisas marcadas que deixaram de poder acontecer a partir da segunda quinzena de março de 2020. E como deixei de ter concertos e de andar na estrada, sentei-me ao piano que felizmente tinha em casa e comecei a escrever. Depois fui trocando as coisas que tinha feito com o gnration, fomos para a frente com o trabalho da casa e depois tive a sorte de gravar num piano a sério. Também se não fosse o gnration e o Luís Fernandes eu não teria conseguido gravar num instrumento incrível. Depois o processo de disco foi natural, mas foram sobretudo esses dois ingredientes: eu deixar de andar na estrada e o trabalho de casa do gnration que levou a um disco ao piano.
A nível de inspiração ou temática de disco, o Sete Fontes, o facto de eu também não poder viajar e tocar longe fez com que eu andasse muito por Braga e fizesse muitas caminhadas e descobrisse os montes e as montanhas em volta da cidade. Eu vivi a cidade de outra forma, não me lembro de ver a Rua do Souto deserta antes da pandemia, ver os museus fechados com restrições, a ausência do barulho dos transportes. Toda essa parte urbana vazia também me influenciou.
O nome Sete Fontes surge porque são sete temas e um dos sítios que eu costumava caminhadas é no futuro parque da cidade, Sete Fontes, e como eram sete temas e, apesar do álbum ser filho da pandemia tem muito futuro e é um disco de exploração sensorial e emocional pessoal, mas também do território, achei que já que o disco falava de Braga, dar um bocadinho o toque já de futuro com o parque da cidade, o Sete Fontes, um local que me inspirou achei que fazia todo o sentido porque a natureza também inspira muito este disco e o futuro desta cidade tem de passar, na minha opinião, pelo parque da cidade, o Sete Fontes.
ComUM – O que pode esperar o público deste álbum?
Homem em Catarse – É um disco completamente diferente de todos os discos que eu já fiz ou participei. Além de ser desafiante para mim, também sugere aos ouvintes e às pessoas que me seguem e também as que não conhecem, no fundo, a toda a gente o desafio, sobretudo a quem me conhece, de ver-me compor e escrever ao piano e as pessoas que não me conhecem, poderem perceber que para além disto há mais.
Eu sou multi-instrumentista e este disco, além de ser multi-instrumentista, também é diferente dos outros e eu sempre quis fazer discos diferentes. No trajeto que tenho tido, os meus discos nunca são iguais. Cada um diz aquilo que sente e põe no instrumento e na arte aquilo que sente e eu sinto. Assim poderão outros músicos/artistas sentir de outra forma e querendo fazer um disco, acabei por fazê-lo sem muita guitarra. É um disco muito diferente nesse aspeto, mas ao mesmo tempo sou eu e as pessoas que trabalharam comigo também o perceberam. Nota-se que apesar de estar ao piano é o Homem em Catarse, nota-se aquela emocionalidade. O instrumento é outro, mas o músico é o mesmo e nesse aspeto acho que há seguimento caso contrário teria abordado de outra forma. Acho que sou eu, continuo a ser eu e também é um disco que gostava que fosse diferente dos outros todos.
Provavelmente a seguir não vou fazer outro disco ao piano, vou voltar à guitarra ou tocar braguesa, não sei. Acho que a essência deste disco é ter alguma coisa que os outros não têm. E nesse aspeto estou muito satisfeito com este disco. As pessoas que me conhecem podem ficar surpreendidas, quem não me conhece, eu espero que seja um bom cartão de visita. Estou satisfeito, não esperaria sem dúvida conseguir ou ter um disco ao piano num ano como este.
ComUM – Lançou um single, o “Santa Marta das Cortiças”. Como está a ser o feedback do público?
Homem em Catarse – O feedback do público está a ser bastante bom. Há pessoas que não me conheciam, ouviram o meu trabalho e eventualmente se identificaram. No entanto, senti outras pessoas a interagir e a falarem comigo e a partilharem. Senti que mesmo a nível de imprensa houve alguma curiosidade das pessoas em perceber que disco era este, mesmo pessoas já conhecem o meu trabalho, sentirem que é desafiante. Por isso diria que o feedback está a ser muito positivo neste single.
Há pessoas que perguntam onde é a Santa Marta das Cortiças e eu acho que o efeito é também esse. Através da arte dar a conhecer locais que para ti foram especiais de alguma forma, não só para pessoas de Braga, mas para pessoas de todo o mundo. Hoje em dia, a música viaja muito rapidamente através da Internet e é bom se, de alguma forma, alguma pessoa, noutro país, de repente fica com curiosidade de conhecer esse local, porque há um tema que foi escrito e inspirado nesse local e já aconteceu de questionarem-me onde era. E isso é interessante. Eu acho que as pessoas são lugares e os lugares são pessoas. E então acho importante não termos qualquer problema de te baseares num sítio e depois abrires esse sítio para qualquer interpretação que possas ter artística.
ComUM – Quais são as principais dificuldades perante um ano tão atípico?
Homem em Catarse – As dificuldades foram de dois tipos: procurar ter melhor sanidade mental quando se é impedido de fazer aquilo que mais se gosta na vida e também olhar para o futuro e perceber como é que a nível financeiro se vai conseguir superar isto porque a profissão de músico, no geral, a área artística é bastante instável, ou seja, não é muito previsível. Há altos e baixos, há alturas em que trabalhamos imenso, junta-se tudo e há outras em que há menos trabalho.
Eu, felizmente, vinha tocando ao vivo com bastante regularidade e foi essa a parte mais difícil de gerir. O ter 60 ou 70 concertos por ano neste projeto, e de repente não ter concerto durante um ano. Eu ainda toquei algumas vezes, mas há outros colegas/músicos que se calhar não fizeram nenhum concerto desde que isto começou e sem dúvida que se não há concertos, não há trabalho então também não há fonte de rendimento e os apoios que possam existir ou que pudessem existir por vezes deixavam parte das pessoas de fora. Não era suficiente porque é o que é possível. É quase como apagar o fogo com um bocadinho de água, mas de raiz os problemas continuam a existir e desta vez não havia trabalho. Foi uma área muito afetada e houve necessidade de manter a sanidade mental e na minha opinião foi escrevendo música. Fazer este disco foi uma salvação para mim, para manter a cabeça ocupada. O facto do gnration ter proporcionado o disco, foi na melhor altura para mim, sem dúvida.
ComUM – Sente que houve uma valorização da arte/música durante a pandemia?
Homem em Catarse – Eu acho que houve uma maior perceção que a cultura é uma área que está vulnerável. E senti, de facto, nos primeiros meses da pandemia, uma solidariedade das pessoas, nomeadamente através da compra de discos, porque não podiam ir a concertos, então tentavam ajudar com o que é possível, adquirindo a arte de outra forma, há uma forma performativa, indo a concertos e uma forma de registo como um CD, um vinil, o que for.
De facto, senti das pessoas que me seguem e que gostam de mim essa solidariedade e esse interesse pelos trabalhos que já tinha editado. Foi uma das coisas que também me ajudou e nesse sentido eu acho que as pessoas começaram a ter a noção que a cultura faz falta. Como costumavam dizer, na altura da pandemia, nós conseguimos viver sem uma série de coisas, mas foi a altura em que mais sentimos falta da música, de filmes, da arte. Uma altura em que as pessoas precisavam de algo para se manterem sãos e acho que aí também perceberam que a arte é uma necessidade tão importante como ir ao supermercado porque a sanidade mental muito importante, é o cérebro que nos permite funcionar bem e comanda todos os nossos atos e se não estivermos bem a esse nível não adianta ter possibilidades de ir ao supermercado por exemplo.
ComUM – Tem concertos marcados?
Homem em Catarse – Sim, tenho um concerto em Barcelos no dia 29 de maio, no Triciclo, no Teatro Gil Vicente, farei um espetáculo ao piano muito baseado neste disco e tenho outro concerto em Esmoriz. Talvez haja possibilidade de ter um concerto na Galiza em junho, também ao piano. Depois, há uma série de coisas previstas, mas programar ou saber a agenda nesta altura a mais do que um mês é difícil. E espero que estes concertos aconteçam, porque, por exemplo, no gnration, havia um concerto em fevereiro que foi adiado devido à pandemia. Depois houve uma apresentação através do trabalho visual do Francisco Oliveira, mas cara a cara com as pessoas com restrições e com segurança é uma coisa que todos sentimos falta e é disso que estamos à espera que seja possível e espero que sim, que seja possível, porque a arte não é para ficar engavetada ou só nos discos, é também para ser levada às pessoas.
ComUM – E já tem planos para o futuro?
Homem em Catarse – Neste cenário, e tendo em conta que não vai acabar até ao verão, todos temos noção disso. Esperemos que melhore muito, porque há uma série de coisas que eu gostava de fazer ainda este ano, espetáculos que gostava de ir e de fazer, tanto como público, como artista, mas é um bocadinho difícil programar muita coisa. Eu estou envolvido noutros projetos e então tenho coisas com esses projetos, tenho escrito para outras pessoas também.
Basicamente o que eu precisaria era de tocar ao vivo e apresentar este disco e que este disco corresse bem, para já é o que eu sinto. Mas sim, há muito que tenho outro trabalho programado, mas seria prematuro dizer, porque não sei. Eu não faço discos por encomenda, tem de vir de dentro de mim. Há coisas que se proporcionam e, aí sim, mas eu não sabia em 2019 que ia fazer um disco ao piano com o gnration. Já tínhamos falado, mas eu não fazia ideia que isso ia acontecer e como ia acontecer e ia ser. Portanto, acho que o que peço é que este amor que tenho por fazer música seja sempre primordial na minha vida.