Pela chamada, decerto transpareci que pretendia discutir aqui questões económico-financeiras da instituição, ou então projetos de desenvolvimento de gestão da vida académica. Mas o projeto de financiamento que vamos refletir e criticamente numa discussão calorosa é chamado de Estudantes Internacionais e o seu Estatuto. Mas o que é esse Estatuto? Quem são os Internacionais e a sua condição em Portugal?
Partindo primeiro pela segunda questão: ironicamente, é evidente que ser um Estudante Internacional não é simplesmente cruzar fronteiras, muito menos apenas mudar de país. Deixar a sua família na terra natal, amigos, amores, costumes e tradições é o primeiro enquadramento possível para compreender o significado de ser um Estudante Internacional. Os Internacionais oriundos do Brasil (aqueles que detêm o Estatuto) no primeiro semestre de 2019/20 somavam 21 mil alunos no Ensino Superior, segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência.
Agora, como é que todos chegamos aqui? O primeiro passo para entrar numa Instituição de Ensino Superior em Portugal é passar pelo concurso especial de Estudante Internacional. Quando aprovados, recebemos um Estatuto diferente dos alunos nacionais.
O Estatuto aprovado em 2014 tinha como objetivo “facilitar” o ingresso dos Estudantes Internacionais (maioritariamente do Brasil) no Ensino Superior português, captando assim alunos estrangeiros para Portugal e, ainda como descrito na lei, “potenciar novas receitas próprias”. O que não nos contaram, e provavelmente não contaram aos nossos colegas nacionais, é que o Estatuto é um mecanismo que implementa uma receita complementar ao financiamento das instituições, portanto, um produto de valor acrescido – exageradamente – que possibilita a captação de uma condição extra para o orçamento.
O próprio reitor da Universidade do Minho, Rui Vieira Castro, na reunião do Conselho Geral no dia 22 de fevereiro de 2021, quando questionado sobre a propina dos estudantes internacionais, diz que essas propinas são “importantes ao orçamento da universidade” e que deve haver “cautela nessas alterações”. Muitas das vezes espantei os meus colegas ao contar que pagamos de 4.500 a 6.500 euros anuais na Universidade do Minho e, para minha surpresa, poucos sabiam dessa realidade.
O Estatuto do Estudante Internacional funciona então como um mecanismo de proteção, que trabalha do mais forte contra o mais fraco, protegendo as instituições e debilitando os alunos, sendo muitas das vezes usado como justificação das omissões institucionais. Tal explica ainda o Reitor Rui Vieira Castro na mesma reunião: “Não devemos esquecer que para este efeito estes estudantes são estudantes internacionais e recordo que o Estatuto do Estudante Internacional prevê aquilo que há bocado dizia”.
Os Estudantes Internacionais não podem também receber apoio social direto, ou seja, não podem receber bolsas, nem auxílios e não têm prioridade nas residências universitárias, o que causa estranheza, já que o objetivo da residência universitária, além do valor consideravelmente acessível, é acolher estudantes deslocados, algo que os internacionais também não são considerados, para todos os efeitos. Inocentes são os que confiam na “gentileza” do Estatuto desenvolvido pelo Partido Social-Democrata.
Com a chegada da pandemia do COVID-19, as desigualdades e dificuldades tornaram-se mais evidentes e insuportáveis. Alunos que procuraram apoio alimentar por terem perdido o emprego receberam respostas frias e muitos alunos voltaram endividados para o país de origem, onde continuarão a pagar as prestações de um ensino de que não vão usufruir. A sequência infinita de problemas que enfrentávamos, a falta de apoio e de solidariedade permitiu que nós nos uníssemos e juntos levantássemos um Coletivo de Estudantes Internacionais. Estamos agora a construir uma futuro promissor para defender os nossos e enfrentar aqueles que são os interesses de caráter financeiro das Instituições de Ensino Superior, mostrando que não vai mais existir o Mercado dos Estudantes Internacionais.
Uma lição que aprendi e gosto de passar é que a minoria pode ter razão, porque a sua análise da realidade pode ser mais próxima dos factos, por ter sido capaz de analisar a correlação de forças ou por ter sido capaz de compreender as verdadeiras motivações desses atores sociais. E, dessa forma, temos o direito e obrigação de defender a nossa posição e de lutar contra a nossa exploração. O Ensino Superior não é um mercado e os alunos não são mercadorias.