Capitães de Areia, lançado em 1937, retrata de forma emocionante a vida de um grupo de crianças abandonadas, que lutam para sobreviver na cidade de Salvador, na Bahia. Jorge Amado expôs, através desta obra, um dos problemas mais preocupantes a nível mundial, o abandono de menores. As palavras escritas pelo autor brasileiro demonstram a dureza da vida das crianças ao mesmo tempo que funcionam como uma forte crítica social.

Capitães de Areia é o nome de um grupo de crianças baianas, entre os 9 e os 16 anos, que por razões diversas ficaram sem família. O grupo vive num armazém velho, junto ao mar, e sobrevive através de pequenos furtos. O romance inicia-se com uma notícia de um jornal e uma série de cartas que resumem a sociedade da época. A notícia dá conta de um assalto executado pelo “bando de crianças delinquentes”. As entidades locais reagiram de imediato e atiram a culpa umas para as outras. Desta forma, o leitor é confrontado, logo de início, por uma realidade em que crianças, que precisam de roubar para sobreviver, são tratadas como se fossem ladrões, marginais ou delinquentes, sem receberem qualquer tipo de apoio.

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Pedro Bala, João Grande, Dora, Sem-Pernas, Professor, Boa-Vida, Pirulito, Volta-Seca e Gato são apenas algumas das alcunhas de crianças pertencentes aos Capitães de Areia. Estas personagens são muito bem construídas e fortemente caracterizadas, cada uma com uma personalidade específica e complexa. A caracterização de Jorge Amado é tão credível que dá a sensação de que estamos a ler sobre pessoas reais. Todas elas têm qualidades, defeitos, sentimentos e sonhos, o que faz da leitura mais emocionante e singular. Adicionalmente, a representação do autor faz com  que que todos os acontecimentos pareçam são verídicos.

Pedro Bala é o líder dos Capitães de Areia e uma das personagens mais complexa do romance. Ao longo da trama, percebemos que Pedro é um menino com um caráter muito vincado e com grande espírito de liderança. Depois de descobrir que o pai morreu a lutar pelo direito dos pobres e dos trabalhadores, a sua missão de vida passa a ser seguir os passos do seu progenitor, com o objetivo de tornar o mundo mais justo.

Para além de Pedro Bala, também a história de Professor e de Sem-Pernas tem um forte desenvolvimento nesta obra. O Professor era o menino mais inteligente do grupo, um dos poucos que sabia ler, e tinha um especial talento para desenhar. Já Sem-Pernas, uma criança coxa, destacava-se pelo grande ódio que sentia dentro dele. A falta de amor e afeto tornou-o num menino com muita raiva do mundo e da sociedade em que se inseria.

Um dos aspetos mais interessantes da obra é como o futuro dos menores abandonados vai sendo traçado ao longo do enredo. O meio não serve somente para explicar como eles se tornaram delinquentes, mas para traçar o futuro que os espera. O que não significa que todas as crianças tenham o mesmo destino. As nuances da vida de cada personagem são muito bem exploradas, o que permite ao autor criar um futuro independente para cada uma. Para além disso, como as crianças são vistas como adultos, as suas escolhas têm um impacto real na narrativa e no destino de cada uma, o que torna a história mais imprevisível e surpreendente.

No capítulo As luzes do carrossel, as crianças são confrontadas com a chegada de um carrossel à cidade. Ver a felicidade dos meninos a divertirem-se no simples brinquedo mostra, pela primeira vez, ao leitor a essência daquelas personagens, no fundo são apenas crianças socialmente desamparadas. Este capítulo constitui um dos momentos mais impactantes de toda a narrativa. Mas não é o único que tem o poder de arrancar algumas lágrimas aos leitores mais sensíveis.

Avançando um pouco na obra, damos de caras com um momento centrado num dos membros dos Capitães de Areia, o Sem-Pernas. Esta personagem tem uma função importante dentro do grupo. Aproveita a sua deficiência física para ganhar a compaixão das pessoas e se infiltrar nas suas casas. Quando acolhido por essas pessoas, Sem Pernas tenta descobrir onde estão escondidos os bens de valor e perceber os costumes dos habitantes, para depois informar o resto do grupo, e assim tornar os assaltos dos Capitães de Areia mais bem-sucedidos.

Numa dessas missões, Sem-Pernas é muito bem acolhido por uma família, que o trata como um filho. Nesse momento, percebemos o conflito interno que assola o menino, que se sente dividido entre a lealdade para com o seu grupo e o amor e carinho que recebe pela primeira vez na sua vida. Este é mais um capítulo emocionante, pois percebemos de uma forma implacável a falta de carinho com que estas crianças se habituaram a viver.

A escrita de Jorge Amado é acessível e objetiva, mas os momentos são descritos de forma tão atrativa, que o escritor acaba por nos oferecer uma leitura triste e bela ao mesmo tempo. Capitães de Areia assume-se também como uma critica e denúncia social. O autor relata acontecimentos que, embora saibamos que existam, nunca paramos para pensar e imaginar. Desta forma, explora e contextualiza uma realidade social para a qual a sociedade fecha os olhos.

O facto de os protagonistas serem crianças ainda torna mais duro o relato de todos os acontecimentos. E o romance serve para chamar a atenção daqueles que veem estes meninos como vilões, porque no fundo eles são apenas vítimas da sociedade na qual se inserem, e nunca poderiam ser vistos como opressores, porque na verdade são eles os oprimidos. Durante a leitura somos arrasados por um sentimento de revolta e de impotência pela forma como a sociedade trata estas crianças, porque no fundo são isso mesmo, apenas crianças.