O que pensa uma mãe e um pai quando a filha lhes diz que quer seguir jornalismo? Bem, para sorte ou azar, sei a resposta à questão. Numa primeira instância, a reação convizinha-se desconfiada, como se acabássemos de mandar uma piada ao ar. Mal comece a entranhar-se a veracidade da sentença pronunciada, o receio do caminho sinuoso, pelo qual queremos enveredar, começa a tomar conta das opiniões paternais. Até que se chega ao abominável e pavoroso desfecho: “Mas vais tirar um curso para depois seres maltratada?”.
De acordo com um relatório publicado no dia 28 de abril, pela Plataforma para a Proteção do Jornalismo e Segurança dos Jornalistas, a agência Lusa avançou que as ameaças à liberdade de informação aumentaram 40% em 2020, nos 47 países do Conselho da Europa. Os alertas de casos mais frequentes são os de ataques à integridade física (24%), assédio e intimidação (24%) e detenção de jornalistas (16%). Dito isto, parece que as preocupações ditas anteriormente são agora legítimas.
Quando as palavras nos rasgam a garganta, ou quando as palavras nos fazem tremer a mão, é sinal de que estamos a relatar a história certa. O medo não pode ser maior que a verdade: é essa a máxima predominante. Nada impedirá o que tem de ser dito e será, inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo: só assim pode ser a oposição. Equipara-se ao que afirmou George Orwell: “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”. Sem opulentos romantismos, a verdade é que o jornalismo traslada o tempo e o espaço, inquietando-nos ao mínimo distúrbio que observamos ou ouvimos na rua. Porém, sem ele, a alma fica nua e incompleta.
Deixe-se de fora todos os argumentos de precariedade laboral que qualquer progenitor pode invocar, desde os baixos salários aos horários demasiado flexíveis. No fundo, a culpa é do sistema capitalista: vive-se na corrosiva narrativa de que se tem de ser produtivos hora por hora e, se se ousa descansar num Dia Santo, pecado foi.
Digo, em conversas de amigos, se calhar até vezes demais, que o que se vê na universidade é apenas o reflexo da sociedade. É um retrato fidedigno do que nos espera lá fora. Talvez – e que fique claro a nota de dúvida – o jornalismo só não seja mais valorizado, porque o próprio Ensino Superior não se preocupa em investir e financiar estruturas para o mesmo. Podemos não precisar de pipetas ou de microscópios, contudo, necessitamos de câmaras e de tripés para podermos produzir bons conteúdos jornalísticos. Aliás, Senhor Reitor, eu não me esqueço do Centro de Multimédia que não tive.
Sem querer incitar que apliquem o conceito de Cancel Culture a este exemplo irrealista, usemos retórica: em que escola/instituto da UMinho há menos probabilidade que chova lá dentro? Julgo que a ninguém passou pela cabeça o Instituto de Ciências Sociais. Mesmo com trabalho reconhecido nacional e internacionalmente, é invisível a imprescindibilidade das ditas “ciências moles”. Posteriormente, surpreendemo-nos do porquê das pessoas não lerem notícias, ou não confiarem nelas, ou preferirem acreditar em notícias falsas. Não obstante, a leveza e descrédito com que se trata quem tenta combater esses fenómenos é, confiavelmente, um dos motivos.
O arame farpado magoa se lá pusermos a mão, faz sangrar. Olhando de longe, vê-se o céu e o horizonte, de facto, ele não esconde a paisagem. Há quem esteja aprisionado por ele e há quem tenha a possibilidade de o desmantelar. Cabe a quem toma as decisões perceber a importância das áreas que não usam algoritmos (ó, e então o jornalismo de dados?). Haja igualdade entre o ensino das ciências exatas e o das ciências sociais.
Maio 10, 2021
Gostei. Boa reflexão. Vale a pena ler.