O Diário de um Pescador é um filme recheado de uma enorme carga emocional, dirigido por Enah Johnscot. A obra cinematográfica estreou no Festival Internacional de Cinema I Will Tell de 2020, embora só tenha saído na Netflix em 2021. Ganhou vários prémios como o African Movie Academy Award: Melhor Ator Jovem, African Movie Academy Award: Melhor Roteiro.

Esta comovente longa-metragem conta-nos a história de uma menina de doze anos, Ekah, nascida num meio bastante pobre. Vive com o seu pai, Solomon, um pescador que passa os seus dias a lamentar o divórcio e a morte da sua mulher, mãe de Ekah. Inspirada pela figura de Malala Yousafzai, a filha desenvolve um abrupto desejo de ir à escola e ter o direito à educação, acreditando que isso ajudaria a sua família em termos económicos. Infelizmente, isto é lhe brutalmente reprimido pelo seu pai que acredita que tenha sido a educação que o separou da sua mulher. Julgando que a literacia corrompia a alma, devido ao meio em que cresceu, impede o sonho da sua filha em prol do que achava ser a sua segurança.

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Apesar do título, o filme em pouco tem a ver com o pescador, Solomon, mas sim com a luta diária de Ekah na conquista de aprender e na defesa de uma sociedade que menospreza a mulher. A protagonista procura incessantemente refúgio na professora da zona, Bihbih. A professora, às escondidas, e pondo em risco a sua própria segurança, disponibiliza-se para ensinar Ekah fora do âmbito escolar, contra a vontade do seu pai e da sua família. Assim, converte-se numa figura crucial e a maior confidente da criança.

Ao longo desta obra cinematográfica, experienciamos uma envolvência cada vez maior com a história, resultado de uma enorme empatia que desenvolvemos pela personagem, fruto de todas as peripécias que ela encontra. Enah Johnscott pinta todo o enredo de uma premissa forte sobre uma realidade dura e crua, mostrando, em certos momentos, um lado do homem primitivo que atinge a desumanidade. Deste modo, a narrativa conduz o espectador a refletir sobre uma cultura que é tão diferente da que nos atinge.

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As imagens e os planos estão por vezes um pouco escuros e pouco cuidados. A banda sonora pode fazer-nos desconectar um pouco da história. Isto acontece porque há uma grande mistura de diferentes tipos de música e raramente o filme tem momentos em silêncio, algo que acredito que poderia ser vital para a intensidade da história e para dar ênfase ao poder da imagem. Isto faz com que o som seja incapaz de jogar e dançar de forma harmoniosa com o visual. Não obstante, há bastantes enquadramentos, especialmente planos de proximidade, que carregam uma enorme pujança, pelo que não há cerimónia em retratar tudo tal e qual como é, da forma mais humana possível.

Em conclusão, a obra cinematográfica carrega uma mensagem bastante feminista, onde estão assentes fortes críticas a uma mentalidade ainda atrasada, que envolve no seu seio e aceita coisas que para nós, sociedade moderna, seria crime. Por extensão, O Diário de um Pescador comove e obriga a pensar sobre como um assunto que é tão assegurado como a educação, pode ser a maior luta e o maior desafio da vida de uma criança. Além disso, faz o espectador refletir também como Ekah é obrigada a crescer e a enfrentar os seus desafios e medos sozinha.  Consequentemente, convido todos os que querem assistir à jornada de Ekah, que acaba por se transformar num exemplo de algo que acontece a muitas outras raparigas.