O percurso artístico de Rita Silva, compositora e instrumentista do seu mais recente projeto a solo, tem tanto de cíclico como de ruptura. O álbum Studies, Vol. I foi lançado a 24 de maio e conta com sete faixas.

A faixa-prefácio do seu primeiro trabalho, “cycle~“, é isso mesmo – um pequeno trecho de 41 segundos que lembra o ambient, introduz um leve padrão sonoro e logo se dissolve em “Derbyshire”. Esta última presta homenagem à “escultora do som”, moldando ruídos irregulares em padrões que parecem saídos de um universo paralelo.

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É uma das faixas centrais do álbum, já que coloca Rita Silva numa espécie de peregrinação sonora paralela e contínua à de grandes figuras como Delia, Laurie Spiegel, Pauline Oliveros, Suzanne Ciani (um dos grandes sonhos da artista é ter um Buchla), Joanna Brouk e tantas outras pioneiras da música eletrónica. A originalidade com que a artista e compositora consegue prestar claras homenagens às suas fontes de inspiração manifesta-se não só no caso de “Derbyshire“, como também noutras faixas que carregam consigo conceitos descobertos em tempos idos.

Ao mesmo tempo, desdobram-se e inovam no uso de ferramentas de composição mais atuais, como acontece em “generative #1“, “generative #2” ou “loadbang“. Nota-se o recurso a técnicas generativas de programação no Max for Live para criarem padrões próprios e únicos e, claro, traços característicos de quem ensinou uma máquina a compôr música com um poder metamórfico sem paralelos.

Mas a jornada musical não se fica pela computação, contendo também música para quem estiver nostálgico dos tempos idos do álbum homónimo de “The Last Departure“, este centrado no ambient, como também o faz “Porto à Beira Rio”. A quarta faixa é uma jornada repleta de gravações de campo atmosféricas e um piano que nos deixa a chorar por mais. Depois do aperitivo “generative #2“, que separa a nostalgia ambient do que talvez tenha sido o estudo mais ambicioso deste volume, eis que surge um som eletrónico, mas estranhamente familiar e com claras reminiscências do violino. Vai-se ramificando, subindo, descendo, vibrando e curvando, até fugir finalmente de cena, deixando-nos com um silêncio cheio de cores e vibrações recém-pausadas.

Dizia John Cage: “quando quero ouvir música, abro uma janela”. Como ele, também Rita Silva abre janelas, as do seu potencial sempre em fase crescente e as da mente e alma de quem a ouve. Acima de tudo, abre a janela com vista para o que já pareceu impossível e é, agora e graças à consciência coletiva de um grupo difuso de gente que vive mesmo muito literalmente num mundo feito de música e sons (e no qual a obreira de “Studies, Vol. I” teima corajosamente em inserir-se), uma realidade. Uma viagem entre tempos idos e outros por vir, simultâneamente mais formal e mais experimental do que os anteriores trabalhos e feita com amor. Seguramente, deixará Laurie Spiegel com um sorriso do tamanho do universo, quando (e se), eventualmente, o ouvir.