No passado dia 11, Marina lançou o tão antecipado quinto álbum de estúdio, Ancient Dreams In A Modern Land. O projeto chega dois anos depois do ambíguo Love + Fear.

Em 2019, a antiga Marina and The Diamonds decidiu contrariar o estilo alternativo e indie por que é conhecida e entregou as suas melodias a produtores pop. Este risco resultou num trabalho extremamente genérico e algo controverso dentro da fanbase. Algo que não mudou foram as letras que, não só retratam a vida romântica da cantora, como também, fazem o comentário sociopolítico recorrente na discografia de Diamandis.

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E é desta forma que Marina regressa aos nossos ouvidos. Desta vez, num tom mais único e com melodias inventivas que remetem para o primeiro projeto, The Family Jewels. A crítica social está altamente presente, começando com a música que dá nome ao álbum. “Ancient Dreams In A Modern Land”, ou “Sonhos Ancestrais numa Terra Moderna”, reflete sobre como temos tudo como garantido. Hoje, a vida é mais plena, os nossos problemas carnais nada se comparam às lutas diárias que os nossos antepassados viviam. É neste contexto que Marina lembra, “não estamos aqui para nos conformar. Estamos aqui para olhar para nós mesmos e perceber que podemos ser o olho do furacão”, ou seja, a força da mudança na nossa vida.

O tema mantém-se com “Venus Fly Trap”. A produtora de Gales fala sobre uma subida de autoestima que, apesar de a tornar mais segura e poderosa, não afeta a bondade com que vê o mundo. Ela tem “a beleza, tem a inteligência, tem o poder, controla as rédeas” e, assim, devia “ser doida”, no entanto, nada neste mundo a consegue mudar. E ainda doutrina os fãs: “para quê ser uma flor de jardim (‘Wallflower’), quando podes ser uma planta carnívora (‘Venus Fly Trap’)?”.

A terceira faixa do álbum é “Man’s World”. Basicamente, trata-se de um hino feminista em que Marina afirma que não quer viver num mundo de homens, isto é, um mundo machista, onde todo o sucesso feminino que vemos é de alguma forma moldado pelas forças patriarcais. Para efeito, é dado o exemplo de Marilyn Monroe, “o bungalow de Marilyn era o número sete, num palácio cor-de-rosa, onde homens a tornaram numa lenda, que era de um Xeique, que matou milhares de homens gays”. E remete ainda para a Inquisição, “há seculos atrás, queimavas-me na fogueira por achares que eu era uma bruxa, mas hoje em dia chamas-me de prostituta”.

Provavelmente a melhor música do álbum, “Purge The Poison” é um som “arockalhado”, muito energético e com mudanças de ritmo repentinas. A variação de rápido e intenso para melódico e suave deixa-nos à escuta, sem saber o que se vai suceder. Em termos líricos, é simplesmente, perfeita. Comentário social de uma visão pessoal, impessoal e Marina ainda arranja tempo para dar voz à natureza. “A mão natureza está ao telefone: ‘o que é que andam a fazer? Não se esqueçam que eu sou a vossa casa. Vêm vírus, ardem fogos, até que os humanos percebam que não são o meu mestre”.

Esta música tem um tópico em comum com “New America”. Na anterior, diz-se “racismo e misoginia, nada está escondido, o capitalismo fez-nos pobres e Deus perdoe a América por todas as guerras”. Já na “New America”, a cantora fala das injustiças sociais e problemas históricos do “país dos livres e corajosos”. Legislação sobre armas de fogo, brutalidade policial e destruição da indústria agrícola e/ou alimentar são alguns dos temas retratados neste som. Sonicamente, os tons de cordas ouvidos lembram a abertura de um telejornal, marcando como importante aquilo que vai ser dito. Um ritmo forte e determinado, tal como a letra e a voz magnifica que conta a história.

Outro grande destaque vai para “Highly Emotional People” que, apesar de mais pessoal, volta à sociedade problemática que não permite o sono de Marina. Ouvir esta música é como receber um abraço num momento de stress apertadinho. A lágrima vai cair e os arrepios são certos. Diamandis fala diretamente para nós – o público – e diz “não tens de esconder, sabes que me podes contar como te sentes, mas eu nunca te vi a chorar”. Reflete, ainda, sobre a pressão social que não deixa os homens chorar, sendo apelidados de fracos, levando à supressão das emoções que, no fundo, fazem parte do nosso design. “Eu sei a dor que sentes, o peso que andas a carregar, mas podes libertar-te do sofrimento que tens no coração”, assegura. A balada poderosa é acompanhada por uma batida incrível e uma voz angelical que, efetivamente, batem forte cá dentro.

A partir daqui as músicas passam para um nível mais pessoal, falando sobre a última relação romântica de Marina que terminou depois de cinco anos. Ela olha para trás e percebe que os sinais sempre estiveram lá. Em “Flowers”, lembra-se que o parceiro não se empenhava o suficiente na relação, nomeadamente, não lhe dava flores em ocasiões especiais. E em “Goodbye”, a última música do álbum, fala sobre como, agora, apercebe-se de que a pessoa que era durante a relação não era ela mesma. Esta faixa é cantada sobre um piano simples que, a certa altura é abruptamente interrompido e dá lugar à voz poderosa e contrastante de Marina.

Marina compôs todas as músicas do álbum completamente sozinha e o álbum foi produzido por ela e apenas outros dois produtores. Ancient Dreams In A Modern Land é sobre ultrapassar as nossas dores, é socialmente analítico, poético, coeso e leva-nos numa viagem emocionante pela mente incomparável daquela que é uma das mais versáteis artistas dos nossos tempos. Este álbum é tudo o que se procura num projeto de Marina.