A Confissão de Lúcio, obra publicada em 1914, é da autoria de Mário de Sá-Carneiro, poeta de Orpheu (1915). O romance presenteia-nos com uma autobiografia distribuída em três personagens que se unem para desenhar o autor de modo exímio.

A novela concentra em si três obsessões: o suicídio, a loucura e o amor pervertido, pelas quais Sá-Carneiro é dominado. Para além deste triângulo inicial que aglomera as premissas do livro, somos ainda brindados com um triângulo amoroso. Este último é formado por Lúcio, o amigo Ricardo, e a mulher do amigo, Marta.

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Seguindo o título do romance vamos ao encontro de uma confissão, narrada, ao longo de toda a obra, por Lúcio. Trata-se de um crime misterioso que somente Lúcio Vaz testemunhou.

De início sabemos o fim, isto é, que foi condenado por uma atrocidade. Lúcio apresenta-se como inocente, ainda que sem vontade de convencer o leitor da sua verdade.

Lúcio é um escritor português que viaja até Paris para estudar direito. Em Paris, conhece Ricardo, um poeta, e desenvolve-se uma relação sem contornos. A dinâmica partilhada entre os dois é incerta, os limites não nos são declarados, sendo esta imprecisa até ao final da obra.

A parte alienada da vida mundana surge quando nos adensamos nas páginas. Mário de Sá-Carneiro afronta-nos com parágrafos de profunda reflexão que nos travam a leitura de súbito, a ponto de reler e refletir. Deste modo, aquilo que categorizamos como alheio passa a ser parte importante no momento em que lemos, com certa intriga, a novela.

A peculiaridade do autor, espelhada nas três personalidades centrais, figura-se como fator dominante. Os traços de Marta, Ricardo e Lúcio a certa altura misturam-se e dá-se a impossibilidade de os voltarmos a separar, sendo que passam, os três, a constar como um só. Há no leitor uma vontade crescente de querer saber mais, perceber a fundo quem são estas pessoas e porque agem de tal forma. Esta curiosidade forma-se no leitor com destino a conhecer o escritor.

A escrita do poeta é crua de tão nua, mas igualmente vestida. Quer isto dizer que o texto caminha até nós de uma forma direta e transparente, conquanto de semear frases por onde este se poderia alongar.

O desalento, a angústia e a incompreensão são sentimentos vividos nas palavras do autor. Daí que consigamos conceber que lemos uma autobiografia alternativa, dispersa em vários eus. Sá-Carneiro desfigura-se, quando assume que revê o seu passado como alheio a si mesmo.

Em conclusão, este livro, escrito por um poeta, pode categorizar-se como o desenrolar de um longo poema que se transformou em prosa.  Assim, a novela assume-se como hino pessoal de Sá-Carneiro.