Depois de a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) cancelar as edições de 2020/21 da Taça de Portugal de futsal, masculina e feminina, e da Taça de Portugal de futebol feminino, devido aos constrangimentos provocados pela pandemia de Covid-19, é preciso refletir sobre as realidades inerentes ao desporto. Uma das verdades é que Portugal ainda está muito longe de atingir a igualdade de género no setor.
Em dezembro de 2020, o secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo, afirmou ser “urgente reconhecer os problemas para depois podermos procurar soluções”. Segundo o projeto ALL IN: Towards balance gender in sport, só 30% dos desportistas federados em Portugal que praticam modalidades olímpicas são mulheres. O cenário torna-se ainda pior entre os treinadores. De facto, as diferenças são óbvias e os estereótipos, visíveis em todas as modalidades, também.
Admitir que as desigualdades de género resultam de uma intensa herança cultural e que a mudança de mentalidades não é fácil não pode servir de desculpa para deixar de enfrentar o problema. Seja através de leis, regras, quotas ou incentivos, a mudança começa realmente em cada um de nós. No entanto, a verdadeira mudança só pode começar quando pararmos para refletir que não vivemos numa sociedade igualitária e, muitas vezes, isto passa por questionar o que nos ensinaram sobre a forma de tratamento dos diferentes géneros.
Constantemente ouvimos ou presenciamos episódios de desigualdade social e de género. Todos os dias temos situações que justificam um olhar bastante crítico e de repúdio sobre as abordagens sexistas, que ocorrem, como sabemos, desde os contextos laborais até aos desportivos. Lamentavelmente, o papel da mulher no mundo desportivo foi quase sempre desvalorizado, até porque o modelo de organização desportiva foi originalmente construído por e para os homens.
Também na comunicação social é possível observar a desigualdade de tratamento informativo e noticioso, onde a ênfase é maioritariamente atribuída ao desporto masculino. De uma forma geral, o desporto feminino e a mulher atleta são temas com um impacto bastante limitado nos meios de comunicação social portugueses. Esta realidade ganha ainda mais relevância quando pensamos no papel de combate aos estereótipos e promoção da igualdade de género que os media podem e devem desempenhar.
Não é aceitável que continuem a existir mulheres fora de jogo. As diferenças de tratamento nos media não são só quantitativas, mas também qualitativas. Além do menor número de artigos, nem sempre se tratam as mulheres nos mesmos termos dos homens. Muitas vezes, o foco não é o desempenho desportivo, mas sim a aparência física. Paralelamente, a mulher atleta é ainda frequentemente julgada pela capacidade de se conformar com as tradicionais definições de feminilidade. É urgente combater a invisibilidade das mulheres no desporto, seja no futebol ou nas modalidades, e tentar encontrar um caminho de igualdade na cobertura noticiosa do desporto feminino.
Telma Monteiro, Patrícia Mamona, Jéssica Augusto, Sara Moreira, Auriol Dongmo, Filipa Martins e Teresa Portela são nomes de algumas atletas nacionais que ganharam destaque na sua modalidade desportiva. No entanto, como é que uma mulher se pode sentir motivada e valorizada se no reconhecimento, no desempenho e na remuneração fica sempre a perder?
Num setor em que as mulheres são sistematicamente esquecidas e discriminadas, ainda vivemos num ambiente desportivo conservador e retrógrado. Contudo, a esperança de pensar que o amanhã vai ser melhor do que o hoje continua viva nos corações de todas as atletas. Resta colocar o tema e a problemática como uma das prioridades na agenda política, a par de tantas outras, e quem sabe se comece a ver uma luz ao fundo do túnel.