Simbolizando um abre olhos para a sociedade contemporânea, Eu Sou Todas Elas cria em nós uma ardente revolta perante os eventos que nos rodeiam. A obra cinematográfica cria, da mesma forma, uma revolta face à alienação das pessoas que não dão a devida importância a certos assuntos e que apenas consideram os eventos como “cenas de filmes”. No entanto, é aí que o sistema falha. Em informar. Estreado em maio, o cenário que maioritariamente se vivencia em Eu Sou Todas Elas está repleto de suspense e crime, relatando acontecimentos autênticos e atuais que parecem não ter fim.
A longa-metragem relata a história de Jodie, uma investigadora com uma relação muito vincada e emotiva contra a rede de tráfico infantil. Ao longo do caso, o seu instinto e a sua natureza protetora fazem com que esta passe por cima de qualquer lei e regra de boa conduta em prol de salvar a vida de crianças indefesas. Jodie está encarregue de encontrar o culpado das mortes dos criminosos que tinham raptado seis meninas. Consequentemente, a detetive chega a um consenso com o titular dos crimes para matar os responsáveis pela rede de tráfico sexual infantil e desmantelá-la.
Fantástico e talentoso são as palavras escolhidas para descrever o elenco. Ressalvo ainda o facto de as personagens não se restringirem a um só grupo cultural, social e étnico. Assim, a diversidade do elenco permite ver a perspetiva do outro que, por décadas e décadas, vem a sofrer de vários tipos de violência. Apesar de não lhe ter sido atribuído o papel principal, a história centra-se muito em Hlubi Mboya, que interpreta o papel de Ntombizonke Bapai. A atriz mostra uma enorme capacidade de ser multifacetada. Adicionalmente, as suas expressões faciais são bastante características e, com a ajuda das analepses, que remetem para o passado de dor da sua personagem, ganhamos compaixão e empatia por Ntombizonke Bapai, compreendendo a sua sede de vingança e justiça.
Por outro lado, apresento aqui os termos tenebroso e arrepiante, pois a obra cinematográfica retrata um assunto bastante delicado e sensível que choca qualquer um. O tráfico humano é um assunto que parece bastante distante, mas que, sem darmos conta, existe mais perto de nós do que pensamos. Sabemos que, por norma, por detrás das grandes redes de tráfico estão pessoas bastante poderosas, e por vezes, pessoas de partidos políticos com influência. Com o objetivo claro de nos mostrar a realidade vivida pelas vítimas deste tipo de atrocidades, o filme mostra-nos também o lado mais chocante e aterrorizante. Violações, mortes, trabalho escravo, prostituição. A maior parte das vítimas são meninas. As meninas são o produto mais vendido e procurado, porque há ainda quem encontre algum tipo de prazer nisso.
No entanto, no decorrer da história percebemos que há uma luz ao fundo do túnel. Há pessoas que estão dispostas a lutar por um mundo justo e melhor, em que todos vivemos em paz. Percecionamos, claramente, as dificuldades passadas nas esquadras quando se trata de casos que envolvem crianças. Muitas das vezes sentimo-nos impotentes e envolvemo-nos demasiado emocionalmente, mas é bom ser empático e sentir dor, porque isso permite-nos pensar fora da caixa e arranjar uma solução.
Em suma, apesar da difícil realidade transcrita nesta bela obra de cinema, é espantoso o facto de esta trazer ao de cima a preocupação de uma sociedade em que pais e mães temem pela segurança dos seus. Além disso, é admirável como representa uma sociedade em que os pais temem também um futuro que se resume ao medo.
Título Original: I Am All girls
Realização: Donovan Marsh
Argumento: Wayne Fitzjohn; Marcell Greeff
Elenco: Erica Wessels, Hlubi Mboya, Mothusi Magano
África do Sul
2021