A presença das mulheres no panorama musical não é, de todo, recente. Durante muitos anos, permaneceram silenciadas e, não obstante todos os avanços na emancipação da figura feminina, tal não se traduziu numa prática social. Na música, assim como em tantas outras áreas, senão na maioria, a mulher continua a ser menos do que o homem.
Desde alturas que nenhum de nós tem memória, a ocupação da mulher resumia-se sobretudo à sua função de cônjuge, mãe e dona de casa. A capacidade feminina é questionada há muito tempo, em todos os espaços. A indústria musical não é exceção. Algo que não deveria acontecer, quando nos damos conta da música como um lugar de reflexão e mudança da sociedade. Questões raciais, de orientação sexual e até mesmo o feminismo constituem o mundo ingénuo assente em igualdade e justiça recriado em diversas faixas. Mas e quando nos damos conta de que esta preocupação com o empoderamento das mulheres não passa de uns versos cantados e que nada é feito para mudar efetivamente o mundo que nos rodeia?
O mercado musical é um reflexo da sociedade patriarcal que teima persistir. Dominada por artistas masculinos, existe um claro problema de diversidade neste campo. Basta pensar na quantidade de mulheres que integram bandas em relação aos homens, ou reparar na forma como estas são objetificadas. A sexualização da mulher no meio artístico é um problema de proporções imensuráveis. Cartazes, letras de músicas, logótipos das bandas ou capas de discos. A quantidade de itens que colocam o corpo da mulher como principal atração para o público (masculino) parece não ter fim.
Rock, Kizomba, Pop, Hip-hop. As referências sexistas, discriminatórias e estereotipadas da mulher estão presentes também em todos os estilos musicais. Os videoclipes ainda são o auge da objetificação, tanto pela ideia da mulher-troféu, como pelo aspeto da figura feminina. Espera-se que uma artista esteja sempre bonita e atraente, quase uma verdadeira musa. Em contrapartida, há vídeos em que são vítimas de tamanha violência física e verbal por parte de um homem. O mais preocupante é o facto de todos continuarmos a consumir este género de conteúdos por vontade própria. Cantá-las e dançá-las com amigos como se fossem um motivo de celebração tem muito que se lhe diga. Inconscientemente, consentimos que as mensagens presentes nas músicas continuem a existir e que sejam cada vez mais – e subestimamos o poder que podem ter.
A música é parte da herança cultural de cada país. E o que é a assimetria de género senão o resultado de estereótipos que se perpetuam na sociedade? Com os homens a dominar o panorama musical, muitas vezes colocando a mulher numa posição submissa, torna-se complicado o alcance da tão desejada igualdade. Basta olharmos para um artigo de 2018 publicado pelo The New York Times. Dos 899 artistas nomeados nas passadas seis edições dos Grammy Awards, a mais importante premiação de música, o sexo masculino representava a maioria avassaladora, com 90,7% das nomeações, à data da publicação. Há um claro problema de diversidade na indústria musical.
A baixa representatividade é notória também nos grandes festivais de música a acontecer nos próximos meses. A pandemia de Covid-19 adiou inúmeros festivais em 2020 e alguns deles regressam este ano às arenas portuguesas. Qual é a (não tão) grande revelação nos cartazes de 2021? A falta de artistas femininas. Os números não mentem: dos 11 artistas já confirmados para o MEO Sudoeste, a única mulher no cartaz é Gabi Melim, da banda Melim. O mesmo acontece nos 17 artistas que integram o Sol da Caparica. No cartaz do North Music Festival, por enquanto, só existem homens.
É inegável o facto de que a situação social das mulheres melhorou significativamente nos últimos anos. Apesar disso, a desigualdade de género persiste e está presente em várias formas. Já há muito que o lugar das mulheres deixou de ser na cozinha. É no palco, nos bastidores, na produção, na comunicação. O lugar da mulher é na música – e em todos aqueles que ela quiser.