:PAPERCUTZ sobem ao palco do Theatro Circo esta sexta-feira, dia 11 de junho. O ComUM esteve à conversa com Bruno Miguel, produtor e fundador do projeto, para saber mais sobre a apresentação do álbum.
Há quatro álbuns e quatro EPs, além de várias compilações, na discografia de :PAPERCUTZ, uma banda portuense que começou a ganhar palco em 2008, na mostra de Novos Talentos FNAC. Nunca se fixaram em território português e rumaram sempre à aventura, ao longínquo e desconhecido por todo o mundo. Prova disso é o mais recente álbum da banda, King Ruiner, que reúne influências e gravações feitas em lugares que vão desde Nova Iorque ao Japão.
Para os :PAPERCUTZ, um disco não é algo estanque. E isso manifesta-se nas várias edições e formas de apresentação com que exploram um mesmo lançamento, ou até mesmo por inverterem o processo estúdio-palco durante a criação. King Ruiner conhece agora Choral, um fenómeno cantado por Catarina Valadas, Sofia Sá e Maria Gouveia que não se fica só pela música. Esta sexta-feira, passam pelo Theatro Circo às 19 horas, e prometem um espetáculo imersivo de audiovisual, onde a luz e a cor desempenham também um papel fulcral.
ComUM: Estás ansioso por voltar aos palcos? Como tem sido a gestão de tantos cancelamentos?
Bruno Miguel: Este ano, depois do confinamento, já passamos por algumas salas mas no Theatro Circo vamos estrear o mais recente capítulo ao vivo do último álbum King Ruiner, um espetáculo de nome Choral e estou ansioso por mostrá-lo, sim. Desde 2020 que lutamos com a questão da pandemia, os concertos de :PAPERCUTZ pela sua dimensão internacional foram logo afetados. Aliás, nós estávamos em digressão no Japão quando recebemos notícias do cancelamento da digressão que tínhamos planeado pelo nosso agenciamento, o que mostrou a necessidade de adaptação. Tal como tenho falado com a minha equipa, é um dia de cada vez. Em parte, o álbum é inspirado por essa necessidade de reconstrução, logo foi como se a narrativa das suas letras espelhasse uma realidade bem atual.
ComUM: O que distingue King Ruiner de todos aqueles que já constam no repertório da banda?
Bruno Miguel: A música que pratico sempre tentou construir uma sonoridade distinta, mas o King Ruiner assume a procura de texturas de geografias bem mais longínquas. O desafio foi criar uma narrativa que atravessasse todos os trabalhos até agora editados. Isso é o papel de um produtor, ver a obra do artista como um todo. No caso em particular de :PAPERCUTZ, eu assumo ambos os papéis e isso é possível porque um trabalho como estes foi desenvolvido com algum tempo e experienciado ainda antes do seu lançamento, nos palcos ao vivo. Nós invertemos um bocado o caminho estúdio-concertos de forma a perceber qual o alinhamento que faria mais sentido e estes temas chegaram a ser estreados desde os Estados Unidos à Islândia antes do seu lançamento. Sei que pode parecer uma situação idealizada, mas foi necessária uma grande crença na ideia de que o trabalho final resultante ganharia com essa experiência, porque nem sempre é fácil decidir quando um álbum está terminado.
ComUM: Se pudesses resumir em duas ou três palavras a essência deste álbum, quais seriam e porquê?
Bruno Miguel: Eletrónica pop exótica, entre a luz e a sombra. O álbum vive destes elementos porque as letras assim o espelham, pontos altos e, por contraponto, baixos da personagem principal, além de uma procura de escapismo. Penso que isso é uma coisa na qual os ouvintes se podem rever. Eu quis que esta experiência fosse algo bem real, daí ele ter sido gravado um pouco por todo o mundo, de Nova Iorque ao Japão. E foi possível porque trabalhamos com diversas editoras que nos foram ajudando ao longo de todo este processo. Pode não parecer, pois não aparentamos essa dimensão – talvez porque cremos em algo orgânico -, mas está em causa o trabalho de muitas pessoas e estruturas que acreditam na minha visão. E sinto-me agradecido por isso.
ComUM: A apresentação do álbum, a acontecer já esta sexta-feira no Theatro Circo, foi programada com especial atenção à sala onde vai ter lugar. Como surgiu Choral? O que podemos esperar deste jogo de luzes?
Bruno Miguel: Choral revela as canções do King Ruiner explorando com um trio de cantoras convidadas, tanto uma tradição oral como melodias contemporâneas que se complementam sobre texturas de música eletrónica. Catarina Valadas, Sofia Sá e Maria Gouveia são as vozes deste concerto. A importância é que cada uma foi escolhida pelo seu registo específico e que se funde num registo coral, além de serem cantoras que, nos seus momentos destacados, têm uma entrega a cada tema que vive da sua interpretação. Em parte, este espetáculo representa o meu fascínio já longo pela voz feminina e que se apresenta mais destacada que nunca ao longo do seu alinhamento.
Contemplei para estas salas um desenho de luz que tornasse a performance mais imersiva para o público, para que assim pudessem sentir-se parte de uma experiência auditiva e visual. Pode parecer estranho, mas :PAPERCUTZ sempre viveu dessa justaposição, tanto no encontro da música pop com uma veia mais experimental, como no caso cénico do mundo do clubbing. Ou seja, esses visuais são inspirados numa experiência que eu aprecio. De vez em quando, aliás, visto esse papel com alguns DJ sets, em que somos submergidos num jogo de lasers, strobes e fumo.
ComUM: Estudaste Informática na UMinho. Como se deu a transição do teu curso para o panorama musical? O que te atraiu para a música?
Bruno Miguel: A transição do curso para a minha atividade como músico diz respeito a tornar-me um profissional e não me desligar das áreas que continuo a apreciar, que é o caso da música em particular – primeiro como ouvinte, e penso que isso foi bem útil no meu papel cada vez mais predominante como produtor, tanto que trabalho hoje em dia com outros artistas.
Eu tenho bastante orgulho na minha formação, no meu tempo e no curso que fiz na Universidade do Minho – algo que completei e cheguei mesmo a exercer. Um curso universitário ensina-nos por vezes bem mais que a área em questão, ensina-nos também a ir à procura de conhecimentos, de formalismo (por vezes até Humanidades), o que eu penso ter trazido para o projeto. Sobretudo, ensina esta incansável vontade de saber cada vez mais.
No que diz respeito à computação em si, estou a preparar processos de inteligência artificial (o meu caminho final no curso de Informática), tanto em imagens como música, que espero trazer em breve ao de cima.
ComUM: Perante o contexto da cultura portuguesa e tudo aquilo que tem vindo a sofrer, especialmente desde a pandemia, há algum fator que aches imperativo mudar?
Bruno Miguel: Esta pergunta não tem uma resposta simples. A minha opinião sempre foi um pouco a mesma. Penso que é necessário um maior suporte das carreiras de artistas em território nacional por promotores com lugares destacados em eventos e festivais. Mas que, sobretudo, os que praticam uma sonoridade exportável não fiquem apenas por Portugal. Dada a minha experiência em países como a Suécia, que vive desse sistema, e trabalhar em songwriting camps com artistas locais, hoje em dia, percebo que o restante mundo está mais acessível que nunca. O importante é ter algo diferente para oferecer.
ComUM: Já tens alguma ideia para o que vais fazer a seguir à digressão do King Ruiner?
Bruno Miguel: Novo EP de nome So Far So Fading, com uma paragem para novas gravações. Depois disso, voltamos em Setembro para a sua apresentação. Mais datas vão ser anunciadas já nas próximas semanas. O lançamento foi revisto para depois do verão, e é um projeto que reúne novos arranjos de canções das diversas edições do projeto e composições originais com convidados como o orquestrador Bruno Ferreira e um ensemble de músicos de formação erudita, com um registo captado no Conservatório do Porto e que terá apresentações ao vivo com uma formação nova e alargada.
Se tudo correr como planeado, começamos as gravações de um próximo álbum ainda este ano. A premissa para este projeto é a mesma de sempre: avançar e, aos poucos, criar um espaço seu, um pequeno canto da música no qual quem quer perder-se percebe que a experiência é, com todos os seus erros e tecnológica, sobretudo, humana.