Sisters with Transistors foi lançado a 23 de abril. O filme retrata, através de variadas histórias, o gigantesco património feminino da música eletrónica. Adicionalmente, com as diferentes narrativas, o documentário apresenta e aprofunda o impacto das figuras femininos no caminho da música eletrónica.

Muita gente sabe que, na época da corrida espacial, o satélite Voyager transportou para o espaço um disco dourado para mostrar a possíveis seres extraterrestres a essência da Humanidade. O que poucos saberão é que a primeira faixa desse famoso disco dourado é a não-tão-famosa, mas maravilhosa composição “Kepler’s Harmony of the Worlds”, de Laurie Spiegel. Este é apenas um de muitos exemplos caricatos que retratam o gigantesco património feminino da música eletrónica. Além disso, é também um dos exemplos que mostra a forma como este património passa tantas vezes despercebido no decorrer da História. 

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Eliane Radigue, ao recordar as palavras de um técnico, dá-nos outro: “O agradável de ter a Eliane no estúdio é que cheira bem”. Isto, segundo a própria, era um ótimo exemplo do apreço que era dado às mulheres na altura. A obra das figuras centrais deste documentário era duplamente ofuscada, tanto por vultos de “homens brancos mortos”, como Mozart, Bach ou Beethoven, como pela sombra omnipresente de superiores hierárquicos que, regra geral, relegavam as criadoras para segundo plano (na melhor das hipóteses). Mesmo assim, isso não as impediu de quebrarem moldes, cruzarem fronteiras e elevarem o potencial musical da tecnologia a patamares estratosféricos e sem precedentes. 

Que não lhes chamem “senhoras compositoras”, dizia Pauline Oliveros num histórico e obrigatório artigo para o New York Times. Mas não só de composição se faz este legado. Clara Rockmore, tida indiscutivelmente por tantos como a maior tereminista de todos os tempos, foi também das primeiras pessoas a dominar a Teremina. Da mesma forma, foi também a primeira a usá-la para tocar obras mais complexas. A artista tocava tanto que até o seu inventor, Léon Theremin, julgava impossíveis de tocar algumas dessas obras no instrumento que inventara até Rockmore o ter feito.

Suzanne Ciani, muitos anos mais tarde, viria também a compor algumas das primeiras obras feitas para o sintetizador Buchla, que ainda toca ao vivo frequentemente. Daphne Oram, inventora do método “Oramics”, fez descobertas estonteantes no campo da música eletrônica ao chegar, na época, mais perto do que nunca à criação “pura” do som. A música desenhou linhas de verniz por cima de fita de cassete. Consequentemente, a distorção criada pela própria máquina fez nascer sons irreplicáveis virtualmente do vazio, e foi a invenção percursora do método de notação sonificada. 

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Delia Derbyshire, outra figura colossal da música eletrónica que, tal como Daphne Oram, também deu os primeiros paços na BBC Radiophonic Workshop. Derbyshire viu o seu trabalho consistentemente obscurecido pelos homens que dirigiam a instituição onde trabalhava, compunha e fazia a sua pesquisa. Ainda que o documentário não o refira, não é descabida a correlação entre esta sistemática desvalorização e privação do devido crédito de autoria ao crescente problema de alcoolismo que Derbyshire enfrentou, culminando na sua morte em 2001.

Narradas pela voz de Laurie Anderson, uma destas várias pioneiras, percebemos as histórias de tantas e tantas mulheres. O espectador assiste à vida de Wendy Carlos, que ligou Bach “à corrente” e compôs algumas das mais emblemáticas bandas sonoras eletrónicas do cinema norte-americano. Adicionalmente, somos presenteados com Maryanne Amacher, que gostava de ver os móveis (e o mundo) tremer com as vibrações dos sons que fazia com as suas máquinas.

Consequentemente, os diferentes eventos apresentados são impressos na história e nas nossas mentes e vieram para ficar. Importa, no entanto, esclarecer uma coisa: o legado das mulheres na música eletrónica não se limita às vozes, caras e nomes que aparecem neste documentário. E, apesar do documentário ter alguma diversidade cultural e geográfica, há muitos outros cantos do mundo onde existiram pioneiras a romper com fronteiras e limitações científicas, sociais e musicais na música eletrónica. Mas a não-menção de mulheres como Jacqueline Nova, pioneira da música eletroacústica na Colômbia, neste filme não deveria ser vista como uma falha, mas sim como uma oportunidade para não nos ficarmos por aqui.

É necessário não só que se valorizem esforços como os feitos por Lisa Rovner e todas as intervenientes neste documentário como também que se olhem para obras como esta como aberturas para explorar cada vez mais legados tão ricos como este. Afinal de contas, quantas mais coisas são ditas, mais são as que ficam por dizer.