Será que, finalmente, teremos o prémio de álbum de rap, entregue nos Grammys, a ir para a Carolina do Norte? Para muitos, o mais recente projeto lançado pelo rapper norte americano Jermaine Lamarr Cole, mais conhecido como J Cole, já é o melhor álbum lançado no género de rap no ano presente de 2021.
O projeto é já há muito aguardado pelos fãs e público em geral. The Off Season é diferente dos álbuns anteriores. Vem dar seguimento a uma modernização e evolução que o rapper originário da Carolina do Norte, estado do sul dos Estados Unidos da América, tem vindo a mostrar.
Presenteando os ouvintes com um nível habitual de excelentes versos com trocadilhos e jogos de palavras, que só os habitantes do Olimpo “hiphopiano” são capazes, J Cole mostra que ainda tem o talento para fazer um excelente trabalho. Juntando profundas reflexões sociais e políticas, que se encontram presentes em diversas músicas, a uma forte introspecção e análise do seu percurso mundano e das relações com aqueles que o rodeiam, o músico prova o seu alcance e versatilidade. É importante acrescentar que neste projeto encontramos mais “ego trip”, ou seja, linhas escritas num tom competitivo em que, normalmente, um rapper tenta vangloriar-se da sua perícia na arte que é o rap. Assim, coloca-se em confronto, na maior parte das vezes de forma saudável, com os restantes rappers, tentando provar que é o melhor ou um dos que o almejam ser.
Para a primeira música do álbum, “95.south” , Cole apresenta um flow mais calmo ao início e vai acelerando. Termina com um flow completamente diferente, uma excelente gradação que cria ao ouvinte uma sensação de dinâmica e maior envolvimento com o passar da música. Faz, também, uma descrição do que considera ser o panorama do rap e a sua trajetória no mesmo. Com algumas dicas e estrofes bem construídas, é uma boa introdução para este álbum. O nome da música faz referência à interstate 95, isto é, a estrada que liga o estado natal de J Cole, Carolina do Norte, ao estado que o viu crescer como rapper e onde fez sucesso, Nova Iorque. Conta com a narração do rapper Cam’ron, “I be stayin’ out the way, but if the beef do come around / Could put a M right on your head, you Luigi brother now”
“Amari”, sem dúvida, é o “banger” do álbum e música mais apelativa e com uma costela mais comercial. Um excelente refrão que completa bem um grande verso em que Jermaine se gaba da qualidade dos seus versos, do seu sucesso em geral e da sua ascensão ao monte Olimpo, onde goza de um estatuto reservado apenas a poucos. O nome da música faz referência ao sobrinho do rapper Bas, que também participa no projecto e pertence à editora de J Cole, Dreamville.
Na música “My Life” ouvimos o melhor refrão de todo o projeto. Com a participação de 21 Savage, temos uma espécie de segunda parte do tema “A lot”, que em 2019 também juntou os dois artistas. Temos uma reflexão sobre as lutas e desafios que ambos tiverem de enfrentar para chegar à posição de sucesso onde estão e estrofes em que abordam como seriam as suas vidas se nunca tivessem conseguido singrar no rap. Rimas bem construídas, uma excelente química entre os dois artistas e o supracitado refrão transformam esta música numa das melhores do álbum.
Na quarta faixa “Applying pressure”, J Cole crítica rappers que mentem sobre serem ricos. É uma música direcionada para a geração mais nova em que estas práticas são mais recorrentes. A faixa emana uma energia nova-iorquina, talvez por causa do instrumental, do videoclip que foi gravado na cidade e a aparição, no mesmo, de um dos maiores rappers da mesma, Dave East. Transmite uma atitude semelhante à música “1985”, presente no anterior álbum de Cole, KOD: “Just did the mental math and calculated my worth Shit crazy, didn’t know I got more M’s than a real Slim Shady video (I’m the real Shady)”
Em “Punchin the clock”, apesar de não encontrar muita informação que corrobore esta leitura da música, interpretei-a como uma descrição da primeira vez em que J Cole usa uma arma e da violência armada que presenciou ao longo da vida, com especial atenção para a juventude. É o tema mais breve e começa e termina com excertos de uma entrevista dado por Damian Lillard, um jogador da NBA que ficou conhecido por marcar pontos em cima dos segundos finais assegurando a vitória à equipa.
O sexto som, “100 mil” é, na minha opinião, o melhor som do álbum. Uma reflexão sobre a trajectória pessoal do artista e como com o passar do tempo só tem melhorado a sua arte e qualidade das várias vertentes do rap. Um excelente refrão que, com um toque de autotune, traz uma melodia interessante que torna a música mais cativante. A participação de Bas, no final, é a cereja no topo do bolo. Num som com dicas bem construídas, auto-reflexão, uma junção perfeita entre uma vertente mais comercial e new school e um lado mais refletivo, abordam-se temas mais sérios, comum nos rappers old school.
“Pride is the devil” é uma música onde temos uma profunda reflexão sobre um dos sete pecados mortais: o orgulho. É o som mais introspetivo em que ambos os artistas, J Cole e Lil Baby, falam sobre o orgulho e como este afeta ou afetou as suas decisões e como prejudica diferentes pessoas de maneiras diferentes. Mais uma vez, a química entre os dois é incrível e a transição de Cole para Lil Baby é um dos melhores momentos do álbum. O refrão é perfeito pois faz o seu trabalho, resume a música, os malefícios do orgulho e as suas consequências.
“Let go my hand” é um tema de grande exposição e de vulnerabilidade por parte do artista. Recorda tempos mais sombrios em que o seu amor pela música diminui e foi preciso luta e sofrimento para voltar a melhores dias. A educação que Jermaine dá aos filhos e a sua preocupação com os problemas do mundo, onde os tenta ensinar a crescer, também é tema principal desta track. Podemos ouvir no refrão, ou a fornecer suporte vocal, os rappers 6lack e Bas. O lendário Puff Diddy participa com uma oração no final. Esta música convoca as influências do álbum 4 your eyes only, que apresentou temas bastante semelhantes.
Intitulada “Interlude”, interlúdio, apesar de apenas ser a segunda música mais curta do álbum, faz jus ao nome. Faz um excelente trabalho em introduzir os principais temas que vão ser abordados no. Foi o segundo single a sair e, por isso, deu-nos uma perspectiva de como seria o resultado final. Rimas sobre a posição cimeira no rap, violência policial e outros acontecimentos sociais e pessoais, o som é de fácil digestão e faz-nos voltar outra vez para ouvi-lo. É de salientar o excelente flow empregue pelo artista.
Num contexto mais calmo e com um refrão bastante apelativo, “The climb black não era suposto fazer parte do álbum, mas sim estar presente no próximo, The Fall Off. Ouvindo a música percebemos o porquê da mudança: é uma composição que se enquadra bem com as restantes e aborda temas semelhantes.
Na faixa 11, “Close” foi talvez a música que menos tenha gostado, não deixa de ser uma produção sólida. O storytelling é bastante interessante e deixa-nos pensativos sobre amizades e a sua deterioração.
“Hunger on hillside” é o som mais dinâmico e aquele que mais me surpreende cada vez que volto a ouvir. Cole aborda o facto de, apesar de tanto sucesso e riqueza, continuar a ser o mesmo e não perder a humildade. A alteração de flows e cadências é impressionante e deu-me a sensação de estar a ouvir várias músicas dentro de uma só. J Cole começa o álbum com uma referência à interstate 95 e acaba a viagem desta off season em Queen, Nova Iorque na avenida Hillside. Por fim, gostava de destacar a emotividade do instrumental, uma excelente produção.
The Off-Season é um projeto bastante completo, versátil e muito provavelmente um dos melhores álbuns do ano. Mesmo não sendo a melhor compilação de faixas que J Cole apresentou ao longo da sua extensa discografia, o álbum entrou em número 1, fazendo de J Cole o primeiro rapper a ter seis trabalhos a estrearem nessa posição.
Álbum: The Off-Season
Artista: J Cole
Editora: Dreamville, Inc.
Data de Lançamento: 14 de maio de 2021