Entre 2001 e 2005, Alan Ball trouxe aos ecrãs mais de 60 episódios de extremos: morte/vida, comédia/drama e todos os polos opostos que deles derivam. Sete Palmos de Terra, que ganhou uma carrada de prémios bem merecidos, explora o absurdo da condição humana com ironia, humor e existencialismo num ambiente psicadélico e num audaz equilíbrio que tanto tem de hipnotizante como de pungente.

Na primeira década de 2000, houve pelo menos uma mão-cheia de séries que veio transformar para sempre o curso das coisas, fosse na história da televisão ou, quanto muito, na vida dos espectadores. No pós-11-de-setembro, séries como Breaking Bad (2008-2013), Os Sopranos (1999-2007), Mad Men (2007-2015) ou The Wire (2002-2008) “viraram o sonho americano do avesso e expuseram a confusão societal que poucos queriam admitir”, como o expôs Rosie Swash no Guardian.

Sete Palmos de Terra  insere-se nesse punhado de obras televisivas. Ao longo da série, acompanhamos a família Fisher, cujo nome começa erroneamente com “f” de funcional – algo que não é, de todo. Donos de uma funerária em Los Angeles, os Fisher vestem “a mortalidade da mesma forma que um pescador enverga o cheiro da pescaria diária – nunca sai totalmente”, resume Steven Oxman da Variety. Adicionalmente, há um traço genético que percorre toda a linhagem desta família: o problema com a honestidade.

Frances Conroy entra na pele de Ruth Fisher para representar uma mãe conservadora. Ruth não gosta de ouvir os filhos a dizer asneiras e mantém uma dezena de segredos bem guardados, à semelhança de David (Michael Hall). Nate (Peter Krause) é o irmão mais velho e aproxima-se da sua irmã, Claire (Lauren Ambrose), na medida em que ambos têm uma inclinação para não compactuar com os rodeios da família.

Essa inclinação intensifica-se e alastra-se um pouco por todos os elementos logo na primeira temporada, pautada pela libertação de cada Fisher a vários níveis. Podíamos falar mais sobre o pai, Nathaniel (Richard Jenkins), não tivesse ele morrido no episódio-piloto para infeliz mas catártica premissa da história . A partir daí, a família Fisher começa a livrar-se de várias amarras sociais.

As sequências de sonho configuram o cariz psicadélico e existencial de Sete Palmos de Terra, e transportam o espectador da vida mundana ao onírico com uma fluidez soberba. Nesta série, nem só de droga se fazem as alucinações: embora não possamos conhecer muito do falecido Nathaniel são várias as vezes em que aparece de cigarro na mão como conselheiro provocador, para lembrar que a morte paira sobre todos na série, literal e metaforicamente.

A paleta pinta-se com contraste e oscila entre o laranja do cabelo de Claire, que se torna indissociável dela e parece incorporar o fulgor da adolescência, o azul dos olhos cansados de Ruth e a brancura que tinge a pele das duas, exacerbada em certas cenas como um simbolismo do candor e vulnerabilidade que dentro delas habita. Acima de tudo, a cor é desenvolvida em Sete Palmos de Terra como um elo entre as personagens, algo abordado em detalhe pela PopMatters.

A própria casa que alberga os Fisher e se consagra uma funerária por uma fantástica ideia de Carol Strauss, executiva da HBO, é uma personagem da série. Com uma arquitetura quase labiríntica, também ela engloba dois extremos: o calor de um lar e a frieza de uma cave onde repousam corpos sem vida. A porta de entrada fica numa esquina e, sobre o rés-do-chão, recaem dois andares com um ar cerrado e divisões amontoadas sobre si, abaixo guardando os mortos que esperam a evasão do mundo físico.

Morte para aqui, morte para ali: há cadáveres em todo o lado e não são bonitos – líquidos que vazam, odores estranhos que fedem. A morte sustenta os Fisher e dela surge a necessidade de catarse, como quando dos resquícios de uma feira de garagem resulta uma fogueira de antigos objetos e, por isso, vivências.

Tal como o grafismo, o humor nos episódios não se faz tímido. Disse Alan Ball na entrevista à Utner Reader, em 2000, que “há vezes em que a série é tão depressiva, que o espectador desenvolve um humor soturno sobre aquilo”. E cada episódio começa com uma morte peculiar ou brutal, seguida de uma tirada absurda no guião, que podia muito bem ter sido escrito nos dias de hoje. Neste pêndulo dilacerante que vai do drama à comédia em menos de dois segundos, enquadram-se os reclames dos produtos funerários nos primeiros episódios da série ou o tomar de uma aspirina que acaba por ser MD.

A representatividade fortalece a posição política de Sete Palmos de Terra, diversa nas formas como aborda a morte, a religião e as minorias presentes na narrativa: latinos, pretos, gays, mulheres que se emancipam. “Há tanta violência nos filmes e na TV. A comunidade cristã não parece ter um problema com isso, mas põe duas pessoas do mesmo sexo aos beijos que vai logo tudo pelos ares”, observou Ball.

Nestas cinco eras que vão da decisão e da esperança à punição e ao perdão, cultiva-se uma filosofia de bonança após a treva enevoada do luto. A fatídica condição do destino humano mostra-se a descoberto em toda a série e também nos mais pequenos detalhes com uma pitada de esperança: note-se o nome do episódio 3×10, Everyone Leaves, e aquele que remata a série, 5×12, designado Everyone’s Waiting.

Pode, quiçá, ser uma série “demasiado deprimente”, como a descreveu um amigo meu quando lha recomendei, ou um relato “de pés bem assentes na terra”, como disse outro que ficou quase tão obcecado com Sete Palmos de Terra como eu. Em todo o caso, é, sem qualquer dúvida, uma obra que entrelaça o humor negro e o caos psicológico profundo com um engenho notável e marcante.