No mês em que decorrem os Jogos Olímpicos de Tóquio, o ComUM esteve à conversa com a ex-atleta Aurora Cunha, que recorda as dificuldades no início da carreira, a concretização do sonho na passagem por três edições dos Jogos Olímpicos e reflete sobre o estado do atletismo atualmente.
Com 62 anos, Aurora Cunha continua a ser uma das atletas mais reconhecidas em Portugal e também no estrangeiro. A minhota representou o Futebol Clube do Porto, clube no qual cumpriu a maior parte da sua carreira, e Portugal, destacando-se em provas de meio-fundo e fundo. Foi campeã mundial de estrada três anos consecutivos e venceu várias maratonas pelo mundo fora.
A ex-atleta olímpica, que começou a carreira ainda jovem, pelos 15 anos, conta que a paixão pelo atletismo surgiu numa prova que decorreu na sua aldeia natal, na freguesia de Ronfe, em Guimarães, e que acabou por vencer. A partir daí, juntamente com um grupo de colegas, formou um clube e passou a treinar duas vezes por semana. “Foi assim que surgiu o amor pela modalidade e nunca mais parei”, afirma. No entanto, Aurora Cunha admite que muitas vezes sentiu vontade de desistir, principalmente nos momentos das lesões. “Há sempre altos e baixos e duas ou três vezes pensei em desistir, mas ainda bem que não o fiz”.
Aurora Cunha recorda que não foi fácil começar a carreira, pois, na altura, não era bem visto “uma miúda com 15 anos a andar a correr às voltas da igreja”. Além disso, a vimaranense teve de conjugar os treinos com o trabalho, já que trabalhava oito horas por dia numa empresa da sua aldeia: “levantava-me às sete horas da manhã, fazia o meu treino e depois ia trabalhar.” Apesar das dificuldades, Aurora afirma que sempre lutou por aquilo em que acreditava e que gostava de fazer: “sempre amei esta modalidade e fui persistente”.
“O atletismo é uma modalidade muito dura e tem que se gostar mesmo daquilo que se faz.”
Atualmente, o atletismo é “totalmente diferente” de quando Aurora Cunha começou, considera a atleta. Embora a modalidade em si continue igual, os vários apoios e acompanhamentos, que existem hoje para os atletas, não existiam antigamente: “não há dúvida que os atletas têm todas as condições – existem, em Portugal, atualmente, 99 pistas e, no meu tempo, havia apenas a do Estádio das Antas e a do Estádio Nacional, que era onde nós competíamos”.
Com 20 anos a competir ao mais alto nível, com tantas vitórias e recordes nacionais, Aurora Cunha acredita que pode inspirar uma geração mais nova de atletas e afirma ver um futuro risonho em muitos jovens, como em Mariana Machado, filha de Albertina Machado, atleta da mesma geração que Aurora Cunha.
Apesar de acreditar que hoje não cometeria alguns erros do passado, Aurora afirma que tem uma carreira da qual se pode orgulhar em todos os aspetos – a nível competitivo, de treino, mas, principalmente, a nível de vitórias. A conquista que recorda com mais carinho foi ser campeã do mundo pela terceira vez consecutiva, em Lisboa, porque “mostrou que o povo português gostava de atletismo”.
“Ao longo destes últimos 20 e tal anos ligados à modalidade deixamos um marco e é isso de que me orgulho: deixei um marco no país”.
A minhota esteve presente em três Jogos Olímpicos, estreando-se em Los Angeles, em 1984, onde alcançou um sexto lugar nos 3000 metros. Para Aurora, estrear-se nesta prova representou a concretização de um sonho e sublinha que são quatro anos de trabalhos intensivos, estágios e lesões e que cumprir os mínimos para se ser apurado “não é fácil”. Embora nem sempre tudo corra como desejado, defende que é essencial que os atletas acreditem na preparação que fizeram e que estão a lutar pelo melhor resultado. “E, depois, é sonhar – cada atleta presente tem de sonhar em chegar ao ponto mais alto na sua carreira. Estou otimista que a nossa comitiva vai fazer uma boa figura nos Jogos Olímpicos de Tóquio”, acrescenta.
Do ponto de vista de Aurora Cunha, para se ser um atleta de excelência é necessário ter-se talento, condições e conciliar o desporto com trabalho ou estudos: “infelizmente, não é fácil, mas já foi mais difícil no passado – os atletas de alta competição hoje têm muitos mais apoios, facilidade em fazer exames e escolher universidades – isso é muito bom para os atletas; no meu tempo não havia nada disso”.
Apesar de ter abandonado a alta competição, a atleta continua ligada à modalidade, embora defenda que é necessário “sair pela porta grande”. Atualmente, Aurora Cunha trabalha com uma empresa de eventos, mas, com a pandemia, já não vê provas há mais de um ano. “Toda a gente está com muitas saudades das corridas e caminhadas”. Sempre que pode, a minhota faz corridas três a quatro vezes por semana, contudo, reconhece que os tempos de sofrimento já passaram e que agora treina somente “por prazer”.