Amy Winehouse faleceu há 10 anos. Lançou dois álbuns de estúdio, vendeu mais de 40 milhões de cópias, ganhou cinco Grammys na mesma noite e tinha 21 anos quando recebeu o primeiro Iver Novello. Mas não são só os prémios que a definem, longe disso.
Amy Jade Winehouse nasce a 14 de setembro de 1983 no seio de uma família judaica em Southgate, Londres. O amor ao jazz foi-lhe passado pela família, enquanto cantarolavam Frank Sinatra ou Ella Fitzgerald pela casa durante os seus afazeres. Parece um retrato colorido e alegre o suficiente, não tivesse o pai, Mick, sido ausente durante toda a sua infância devido a uma relação extraconjugal. Em 1992, divorciou-se de Janis, mãe de Amy.
Perante este cenário, a sua avó Cynthia encorajou-a a frequentar a Susi Earnshaw Theatre School para desenvolver a capacidade vocal, acabando por lá passar quatro anos. Nessa escola, conheceu Juliette Ashby, uma amiga para a vida toda sem ainda o saberem. Depois de aprender a tocar guitarra com o irmão, formou uma dupla de rap chamada Sweet n’ Sour ao lado de Juliette.
Em 1996, criou na escola a sua própria audição, na qual interpretou On the Sunny Side of the Street, ganhando uma bolsa de estudos. Tinha aulas de atuação, dança e canto, com notas elevadas, mas a parte teórica não lhe fazia graça e foi expulsa por indisciplina. Entrou, então, na Brit Performing Arts and Technology School, com 14 anos.
Aos 15, compunha as primeiras músicas e cantava em pequenos clubes de jazz londrinos, por exemplo, com os Bolsha Band. Para ajudar a família financeiramente, trabalhou em estúdios de piercings e outras lojas, ou até como repórter para a World Entertainment News Network, agência noticiosa fundada pelo pai de Juliette. Em 1999, depois de uma audição organizada pela diretora da escola de onde foi expulsa, ingressou na National Youth Jazz Orchestra como vocalista.
Em 2002, Tyler James, amigo de infância e também ele cantor, enviou uma demo de Amy à Island Records, editora subsidiária da Universal no Reino Unido. Foi convidada para uma audição, registada em vídeo no documentário Amy (2015). Winehouse tinha 19 anos, canções escritas num caderno e um vozeirão. “Mal a conheci, soube do efeito que ela tinha”, referiu o patrão da Island, Darcus Beese.
Amy assinou contrato com a editora e deu início ao processo de criação do álbum de estreia a par do produtor Salaam Remi. Em 2003, nasce Frank, um relato sincero e pessoal que entrelaça hip-hop, reggae, neo-soul e, como não podia deixar de ser, jazz. Este disco, casa de temas como “Amy Amy Amy” e “October Song”, não foi sucesso imediato. Ainda assim, foi com ele que Amy recebeu as primeiras nomeações e um Ivor Novello pela “Stronger Than Me”, tendo também sido incluído na coletânea 1001 álbuns para ouvir antes de morrer.
Winehouse surgia como uma lufada de ar fresco e autenticidade numa indústria saturada pelo pop e o espetáculo. Com um contralto poderoso e inconfundível, Amy trazia uma história em cada palavra. Cantava não para chegar a algum lado, mas como se habitasse a canção. “Precisava da música como se precisa de alguém”, disse Sam Beste, pianista e colega, no documentário.
Frank, acarinhado pelo público e a crítica, viria a revolucionar o mundo da música, mais tarde certificado como álbum de platina no Reino Unido, e catapultou a artista para a ribalta a uma velocidade vertiginosa. E, como se sabe, a queda foi grande. Os anos seguintes parecem fáceis de resumir e ainda mais fáceis de relativizar quando a realidade não nos é próxima: toxicodependência, desamor e decadência.
“Eu sempre disse que não queria escrever sobre o amor, mas depois foi mesmo isso que fiz”, confessou numa entrevista com Jonathan Ross, em 2004. “Amo a forma como soas tão comum”, disse-lhe o apresentador. Amy não parecia preocupada em ser grande. E, como qualquer outra comum pessoa, tinha os seus problemas e assombros, dos quais as revistas cor-de-rosa não hesitaram em tirar proveito para capas rentáveis.
Amy Winehouse sofria de bulimia, uma condição que latejava desde os 15 anos. Na altura, contou aos pais, que não se preocuparam muito pois acreditaram ser algo passageiro. O distúrbio veio a agravar-se e, com ele, tantas outras complicações. Em 2004, tinha início uma relação volátil ao lado de Blake Fielder-Civil, motivo de um coração despedaçado e matéria do álbum que se seguiu em 2006.
Amy era alcoólica e toxicodependente. Blake também. Casaram-se em 2007 e divorciaram-se em 2009. Da rápida ascensão, a espiral em queda livre para a depressão. Entre 2008 e 2010, foi presa três vezes e internada numa clínica de reabilitação.
No meio deste turbilhão, florescia Back to Black, um registo visceral e singular, influenciado pelo R&B, soul dos anos 60, reggae e ska. A voz, sempre imponente, fez-se rouca e as letras sarcásticas e intimistas. Dela irradiava aquilo que sentia: poder, amor, alegria ou agonia. Imortalizava-se, neste disco, o desgosto de Amy, que se tornava uma das artistas com mais visibilidade e relevância da altura.
“They tried to make me go to rehab but I said no, no, no” ouvia-se por todo o lado. Somaram-se mais dois prémios Ivor Novello, tanto para “Rehab” como para “Love is a Losing Game”, e cinco Grammys. Tinha o ecletismo como palavra de ordem e destacava-se pela amálgama cuidada entre o antigo e o contemporâneo. Amy era uma celebridade que não sabia nem queria sê-lo.
Dizia que o seu sonho era tocar em clubes de jazz para públicos pequenos. “Acho que quanto mais as pessoas virem de mim, mais se vão aperceber que eu só sirvo para fazer músicas, por isso deixem-me em paz que eu faço a música, só preciso de tempo”, manifestou quando confrontada com a ideia de manter uma certa imagem devido à fama.
A 23 de julho de 2011, morre a cantora, compositora e multi-instrumentista Amy Winehouse, vítima de intoxicação alcoólica após um período de abstinência. Foi encontrada morta no seu apartamento em Camden por um guarda-costas que pensou que estava a dormir até tarde. Tinha 27 anos. “As pessoas perpetuam esse mito de que ela era autodestrutiva, essa coisa do rock de entrar para o ‘Clube dos 27’. Não há nada bom em morrer com 27 anos”, expõe o amigo chegado James Tyler, no livro Minha Amy.
Winehouse lutava contra a dependência e a diluição dos limites entre a vida pública e privada. No mesmo ano, tentou, sem sucesso, voltar aos palcos, e estava a trabalhar num terceiro álbum de estúdio que nunca foi materializado. Chegou a gravar uma versão de “Body and Soul” ao lado de Tony Benett. Hoje, é considerada a precursora da Nova Invasão Britânica e a responsável por instigar a revolução da música soul nos anos 2000. Depois de morrer, Back to Black tornou-se o disco mais vendido do século XXI no Reino Unido.
Sabemos que as estrelas cadentes passam depressa, mas nem por isso as esquecemos. Amy foi e será a voz de quem não tem medo de sofrer por tanto amar. Trazia consigo outros tempos, vidas e saudades, o coração aberto. De eyeliner bem marcado e o piercing acima do lábio, cabelo longo e armado em colmeia, além de um sem-número de tatuagens, Amy Winehouse tornou-se a voz de uma geração, um ícone na música, na moda e no mundo.
A propósito do 10.º aniversário da morte de Amy, a MTV prepara-se para lançar “Reclaiming Amy”, um documentário com imagens inéditas narrado pela mãe da cantora.