Lançada em novembro de 1939, As Dez Figuras Negras é uma das obras mais lidas de Agatha Christie, famosa escritora de romances policiais. Neste livro, dez pessoas desconhecidas são convidadas para passar uns dias numa mansão situada na fictícia Ilha do Soldado. Com a chegada à referida mansão, o enigmático anfitrião não aparece e os convidados vão sendo assassinados de acordo com uma lengalenga infantil. O resultado desta simples premissa é uma obra misteriosa e surpreendente, que para além de entreter, ainda pode motivar interessantes reflexões.

Nas primeiras páginas, o leitor conhece de forma superficial as dez personagens que se irão juntar na mansão. É possível que o início seja considerado confuso, já que são apresentadas várias personagens diferentes de uma só vez. Porém, com o avançar do livro, o leitor vai-se familiarizando com os nomes, as personalidades e até com o passado dos dez indivíduos. Essa caracterização feita por Agatha Christie contribui não só para o melhor desenvolvimento e maior densidade das personagens, como para espalhar pistas sobre acontecimentos futuros.

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A criação de um ambiente tenso e misterioso é feita de forma exímia pela autora, fornecendo uma sensação constante de desconfiança ao leitor. Essa atmosfera de suspense vai-se acentuando à medida que o número de mortes aumenta. Sendo que os detalhes, como a lengalenga e os soldadinhos, representam de forma concreta e paralela o desenrolar de cada assassinato. A lengalenga dos dez soldadinhos expõe desde início a maneira como vão ocorrer as mortes, o que provoca ansiedade e angústia no leitor, que também quer saber quando e com quem vão acontecer. As figuras dos soldadinhos materializam de alguma forma os desaparecimentos dos convidados, já que elas próprias também desaparecem. Para além das funções metafóricas, esses pormenores também auxiliam o leitor a perceber quantos indivíduos restam vivos.

O facto de não existir um detetive nesta história é outro dos aspetos que diferencia este livro de outros do mesmo género. O enredo desenvolve-se de maneira a que o leitor se sinta parte da trama. Desta forma, o leitor assume-se como o “detetive” que presencia os crimes, recolhe as pistas e junta as peças de modo a chegar a um culpado. Contudo, o puzzle não se monta facilmente, os suspeitos variam à medida que as páginas avançam e no fim parece-nos impossível haver uma resolução lógica do caso que fomos acompanhando. Só no epílogo percebemos que a peça que nos faltava esteve sempre à frente dos nossos olhos. Por extensão, é nesse momento que somos surpreendidos com uma resolução óbvia mas completamente inesperada.

A escrita de Agatha Christie é simples e acessível, o que torna o livro ainda mais atrativo e cativante, pois não exige demasiado do leitor. Nas últimas páginas, a escritora, apelidada de “rainha do crime” devido ao sucesso das suas obras, faz ainda uma interessante reflexão sobre a moralidade de fazer justiça pelas próprias mãos. “Será que é correto recorrer aos próprios métodos para ajustar contas com o mundo?” é uma das questões que nos passa pela cabeça.

Depois de um começo que já pronunciava algo trágico, desenrola-se um livro em que a pressão a que as personagens estão sujeitas. Assim, os fantasmas do passado voltam para assombrar o presente e uma mente brilhante que deu vida a uma lengalenga. Para além disso, o mistério e as reflexões que surgem no encerrar do crime, formam um conjunto de elementos muitíssimo bem explorados que envolvem o leitor do início ao fim. As Dez Figurinhas Negras é uma obra repleta de tensão e mistério, onde nada é o que parece, temos ainda um final que enuncia a tragicidade do próprio ser humano.