Bullseye foi lançado a 16 de julho de 2021. O álbum corresponde ao segundo EP da americana Charli Adams. Numa versão mais madura da artista, somos presenteados com uma obra confessional, abalroada pelas múltiplas dúvidas da existência humana. Com a voz suave, mas penetrante de Charli, os instrumentais que encaixam na perfeição e as letras que se aproximam dos nossos pensamentos, iniciamos uma viagem de autorreflexão.

A primeira música do álbum corresponde a “Emo Lullaby :'(”. Antes de tudo, é importante ressaltar a originalidade de Charli Adams. Como podemos observar, o título desta composição afasta-se do convencional, optando, além das palavras sumárias do que estamos prestes a presenciar, pela utilização de um emoji. Desta forma, se o nome escolhido não fosse já indicativo, percebemos que nos vamos deparar com um single taciturno.

thelineofbestfit.com

O género musical emo surgiu no final da década de 1980. Além da sua sonoridade característica, baseia-se na expressão emocional e, acima de tudo, confessional. Estas características são facilmente reconhecíveis em “Emo Lullaby :'(”, uma vez que a artista sublinha a sua tendência para compartilhar e pensar demasiado sobre a sua vida – “I’ve been painting the walls / And it’s making me dizzy / Haven’t called my friends in a while / Wonder if they miss me / Wrote my feelings on the ceiling / Find it in the morning / Can’t ignore it now”.

A referência a um lullaby poderá ser uma surpresa. No entanto, a sua menção prende-se com alguns dos objetivos das músicas para crianças: transmitir um determinado ensinamento, ao mesmo tempo que passa uma intenção emocional e procura regular comportamentos. Sendo assim, através da sua letra, Charli Adams procura nunca se esquecer do  passado para que não volte a cair na mesma espiral – “I remember being thirteen / Man, that shit was heavy / Now I’m talking to somebody / That I’m paying once a week / I’m relearning how to breathe / At the age of 23”.

Escrita em conjunto com Brian Brundage, a segunda composição de Bullseye é sobre aprender a viver a vida independentemente do que os outros pensam. Em entrevista, a artista referiu que “Cheer Captain” pretende transparecer a necessidade de “valorizarmos a nossa opinião pessoal e de recusar alterar a nossa essência pelos outros”. Charli Adams reconhece que não é uma tarefa fácil. Sendo assim, admite que ainda está a perceber como viver sobre essa máxima, mas acredita que esta música é um bom começo.

Ao longo da composição, a cantora assume-se como uma “people pleaser”. Afirma que, ao longo da sua vida, tentou sempre ter um comportamento adequado às expectativas da sociedade. Contudo, admite que vivia numa mentira – “I tried to be quiet, play nice / But I knew I wasn’t doing it right / And I cried, wiped my eyes, and then smiled / ‘Cause they didn’t know I was living a lie”. Uma realização que foi apenas fazendo aos poucos. Todavia, hoje sabe que não quer ser o “cheer captain” de ninguém.

Em entrevista, refere que pensar sobre este tópico é engraçado. “Lembro-me de rezar a Deus para ser feia, para que os homens não gostassem de mim e para eu não me sentir tentada a pecar. Ao mesmo tempo, era uma jovem cheia de inseguranças e problemas com a minha imagem, que só se queria sentir bonita”. Garante, assim, que a música acaba por sublinhar essa mesma ironia.

Cheer Captain” corresponde à única composição do EP que apresenta videoclipe. Ao longo deste, podemos ver Charli Adams entre um confessionário e o conforto da sua casa. Mesmo a partir da sua habitação, a artista faz-se acompanhar por uma bíblia. Porém, rapidamente, percebemos o seu afastamento religioso, uma vez que a bíblia não passa de um cofre, onde guarda as suas drogas. Para além disso, no compartimento encontra-se uma carta de tarot, a carta da morte. Esta escolha não é por acaso, dado que não representa a perda de vida, mas sim uma transformação.

Em “Didn’t Make It”, Charli Adams mantém as premissas anteriores. Desta vez sobre o amor, aponta a dificuldade de se estar com alguém e a necessidade de nos afastarmos do mesmo. “Quando existem memórias associadas a uma pessoa é difícil de nos desprendermos dela e aceitar isso pelo que é”, refere. Recorda que, aos 17 anos, “estava presa numa espiral com um rapaz” e que por casmurrice continuaram “a estragar tudo” – “Always been the only thing that I want / Sipping whiskey on your back porch / We almost made it but we got lost / No we don’t want to face it / But we didn’t make it”.

Headspace” dá continuidade à temática. Neste caso, sobre estar apaixonada por alguém e o quanto isso nos pode magoar. A constante vontade de estarmos com uma determinada pessoa, aliada ao incessante desejo de nos esquecermos da mesma – “I stood at the door of your place, wondering how to get out of this headspace”. A colaboração com o artista Ruston Kelly permite mostrar duas perspetivas diferentes relativas ao aprisionamento nestas situações. Surpreendentemente, a fusão entre os cantores é de uma naturalidade tal, que nos faz, também, apaixonar-nos por aquilo que escutamos.

Segue-se “Get High w/ My Friends”. Num primeiro momento, acreditamos que haverá uma mudança de tom. Na verdade, a própria artista referencia que a sua vontade de se drogar não tem qualquer razão, simplesmente se quer divertir com os seus amigos. No entanto, posteriormente, deixa transparecer o seu objetivo principal – “Sometimes I feel too much / Trying my best just to keep up / Maybe I’m tired of giving a fuck / Maybe I’m tired of giving too much”.

Em “JOKE’S ON YOU (I Don’t Want To)”, aproveita para censurar o materialismo e, consequentemente, um certo machismo. Tal como tantas outras artistas, Charli Adams afirma que o dinheiro e os bens materiais não são tudo na vida, muito menos uma moeda de troca para si. Para todos aqueles que acreditam nisso, apenas tem a dizer – “God knows I’ve got better things to do / If you’re thinking that it’s just that easy / Joke’s on you, I don’t want to / Be the girl that you thought I might be / I told you I’ve got better things to do / If you say sit down and look pretty / Joke’s on you, I don’t want to”.

Se prestarmos atenção às cores escolhidas para a divulgação das suas composições, percebemos que “Maybe Could Have Loved” introduz algo de diferente. Distante de tons mais sóbrios e até sombrios, passam a optar por tons cor-de-rosa. A fragilidade mantém-se, mas com mais pitadas de crítica (se é que isso é possível).

Em “Maybe Could Have Loved”, Charli Adams junta-se à banda Nightly para maldizer sobre o estado das relações modernas – o constante condicionar de um possível caminho por medo de não se saber se vai resultar ou se vai ser para sempre, “What ever happened to loving someone / Long enough to maybe hurt someone / What ever happened to a little risk of getting sick of it / Someone you maybe could have loved”.

O desejo e a confrontação com a realidade são os principais temas de “Bother With Me”. Sob pena de ser apenas a artista a pensar demasiado, esta acredita que quis estar com uma pessoa – “Here in your room / By your window with the view / It’s hard not to sit and picture Myself with you” -, que, na verdade, nunca quis estar consigo – “I stayed at your place / Did you let me just ‘cause it was getting late? / Right side of the bed / Were you wishing it was someone еlse instead?”.

Remember Cloverland” e “Seventeen Again” correspondem a um retomar à sua infância. Porém, mantêm uma dicotomia entre si. Se, por um lado, a cantora sente saudades dos tempos de inocência. Por outro lado, recorda a vontade de nunca estar parada no mesmo sítio. Desta forma, a primeira vez que saiu de casa, apenas com 17 anos de idade, serviu de inspiração para a segunda música.

Apesar da força da letra da última composição de Bullseye, esta acaba por perder algum do seu impacto. Homónimo do título do álbum, o single de Charli Adams resume o quanto o contexto em que cresceu teve um impacto negativo na sua vida – “And I was a kid, picked all the pieces / Ended up with stained glass and a portrait of Jesus“.

Os instrumentais de Bullseye e a voz subtil de Charli Adams poderão não agradar a todos. No entanto, qualquer pessoa se poderá identificar com, pelo menos, uma das músicas que compõem este álbum. Se o seu segundo EP já apresenta uma qualidade exímia, resta-nos esperar, ansiosamente, por novidades da artista.