Em 2019, a série da Netflix, The Witcher, apresentou excelentes resultados ao redor do mundo pela excelente produção apresentada em diversos aspetos cinematográficos. Desta forma, para completar as linhas narrativas deixadas em aberto, foi anunciada uma segunda temporada com estreia marcada para 17 de dezembro de 2021. Contudo, o que surpreendeu e agitou os fãs (não foi só) o anúncio da segunda temporada, mas também a estreia de um filme de animação incorporado no mesmo universo. The Witcher – Nightmare of The Wolf chegou ao mundo no passado dia 23 de agosto e deu-nos mais um gosto do mundo criado através dos livros de Andrzej Sapkowski.
Neste filme, esquecemos Geralt de Rivia e acompanhamos um predecessor do mesmo, Vesemir. Após derrotar uma monstruosidade que quase destruiu toda uma família nobre que viajava pela floresta, o bruxo entende que algo não está certo com a criatura. Enquanto Vesemir enfrenta o seu passado traumático, a descendente dos primeiros magos, Tetra Gilcrest prepara uma conspiração para destruir aqueles que ela não considera serem puros: os bruxos. Desta forma, a premissa do filme desenvolve-se em torno do aparecimento de anomalias nos monstros e demónios tradicionais que preocupam o Continente. A par da jornada para descobrir quem está por detrás deste problema, o espectador fica a conhecer profundamente os três protagonistas: Vesemir, Tetra e Illyana.
Ao contrário da série televisiva, a obra cinematográfica esclarece nitidamente os tempos do presente e os momentos do passado, sendo os flashbacks autoevidentes através da caracterização das personagens. Um dos aspetos mais curiosos é o facto de todos os acontecimentos e todas as personagens se ligarem de modo perfeito e coeso, sem serem deixadas pontas soltas.
De facto, o enredo é bastante interessante e, de certa forma, eloquente e bem construído, despertando uma ânsia constante em perceber o que está a acontecer. Todavia, como se costuma dizer “o que é bom acaba rápido” e a sucessão de momentos inesperados no filme dá lugar a cenas previsíveis. No que toca ao previsível, isso nota-se excessivamente no decurso de certas personagens e no “destino” que as aguarda. Considero extremamente terrível o quão óbvio é o plot armor que algumas personagens beneficiam. Quando seria lógico uma personagem atravessar certa peripécia ou morrer num certo momento, vemo-la escapar uma sina que era impossível de escapar, independentemente, dos poderes mágicos que se possua. Para além disso, se a narrativa não protege-se certos intervenientes na história, o dramatismo e o choque que causaria no espectador seriam muito mais fascinantes.
Embora, a longa-metragem fraqueje na inovação e na surpresa, consegue explorar temas relevantes e que atiçam o espírito crítico. Tal como em quase todos os filmes, o confronto entre o bem e o mal é apresentado, porém decidir quem são os “bons” e os “maus” depende imenso da perspetiva de quem visiona o filme. Tudo depende da identificação do assistente com as personagens.
Outro problema desta obra relaciona-se com a dualidade bem/mal. Ao ver a longa-metragem, pareceu-me extremamente falso e incongruente como é que certas personagens com atitudes que, considero, terríveis passem a apresentar pensamentos morais e corretos por momentos e segundos depois já estão a fazer “asneira da grossa”. Assim, custa-me entender o quão inconsistentes são certos momentos do filme. Todavia, a vontade de perdoar e de recomeçar de alguns protagonistas é louvável e é um exemplo para aplicarmos no mundo real. Por muito mal que nos façam, perdoar e corrigir as coisas é algo admirável e corajoso de se fazer.
Ainda que com muitos defeitos, é inegável o retrato realista da natureza humana que é recriado nesta obra de cinema. Aqueles que subestimam este filme ao, simplesmente, verem-no como um filme de animação que precede a história de The Witcher, enganam-se redondamente. A meu ver, é engenhosa a perfeição e a subtileza que constroem a vicissitude humana, o desejo constante por poder e o fundamentalismo que o ser humano segue quando acredita em algo, cegamente. Para além disso, a representação cruel do sofrimento e do quão degradável pode ser a vida de um ser humano arrepiam até o espectador “mais forte”.
The Witcher – Nightmare of The Wolf concentrava em si uma premissa excelente e que poderia dar uma boa continuidade àquilo que The Witcher havia começado. Contudo, as incoerências e o desejo dos roteiristas em proteger certas personagens de forma a criar “um final feliz” estragam o caminho promissor antes mesmo do filme acabar. Apesar de tudo, as filosofias expostas e a lição moral por detrás da longa-metragem salvam-na do rótulo de “falhanço”. Enquanto engolimos “este sapo” que foi esta obra cinematográfica, altas expectativas se levantam para a segunda temporada da série que chega no fim deste ano.
Título Original: The Witcher – Nightmare of The Wolf
Realização: Kwang Il Han
Argumento: Beau DeMayo
Elenco: Theo James, Lara Pulver, Mary McDonnell
2021
EUA, Coreia do Sul