A 28 de junho de 2021, vários cartazes foram erguidos em diversas cidades americanas a anunciar o terceiro álbum de Halsey. If I Can’t Have Love, I Want Power, lançado a 27 de agosto, conta com a produção de Trent Reznor e Atticus Ross e a composição e os vocais da cantora norte-americana, que se amarra vigorosamente a uma proposição.
Tal como Halsey havia mencionado uma vez, todos os seus trabalhos focam-se num determinado tema, desenrolando-se como uma narrativa. Assim, If I Can’t Have Love, I Want Power foca-se “nos altos e baixos da gravidez e de dar à luz”. Inicialmente as temáticas do projeto seriam “a mortalidade, o amor que dura eternamente e o nosso lugar/permanência no mundo”. No entanto, após a gravidez e o nascimento do seu filho, o intuito do álbum transformou-se. Às ideias já preparadas, “com o impacto emocional da gravidez”, a artista “acrescentou os temas do controlo, o horror pelo corpo, a autonomia e a vaidade”. Apesar disso, o conceito que vemos destacar-se ao longo de todo o álbum é o feminismo e a luta contra a misógina institucionalizada e o patriarcado.
Surpreendentemente, “The Tradition” não é a balada tranquila e romântica que seria de esperar nos primeiros segundos da faixa. Num tom clássico e sombrio, a música faz jus ao título e Halsey canta sobre a tradição que é o machismo na sociedade. Irreverentemente, a compositora pinta uma mulher perspetivada como inocente, sensível, medrosa, frágil e acercada pelo poder do homem. Crítica, também, a presunção do sexo masculino em tomar as coisas que não lhe pertencem como suas e apresenta uma sátira com duplo sentido. Condena a presunção dos homens que veem as mulheres como instrumentos e, ao mesmo tempo, incentiva a rapariga da estória a impor-se e a assumir o controlo, ignorando “a tradição”.
Contrariamente, “Bells in Santa Fe”, caracterizado por ritmos pop, synth, rock alternativo e grunge-pop, desaponta, não pela fraca qualidade do instrumental, mas pela repetibilidade enjoativa que se faz ouvir. Liricamente, Halsey descreve uma relação temporária que está a desenvolver com alguém. A artista notifica o/a parceiro/a para que não se apegue, pois é “tudo temporário”. Por sua vez, “Easier than Lying” rebenta os nossos ouvidos (no bom sentido), com ritmos de rock industrial e noise rock que criam uma aura de revolta infernal, que quase assusta o ouvinte.
A quarta faixa do álbum, “Lilith”, é, desde já, disruptiva pelo título. Ao mencionar a “mãe de todos os demónios”, Halsey quebra, de imediato, o estigma católico que se espera das mulheres, em contraste com Lilith. A cantora ridiculariza a visão anti-feminista de que mulheres que não obedecem às vontades masculinas e se assumem como independentes são hostis e vis («You got me thinkin’ that I was too mean»). Da mesma forma, “Girl is a Gun” persevera o registo feminista, porém de modo mais alegre e alvoraçado por entre arranjos de synth-pop e pop-punk.
Por seu turno, a música de rock e punk, “You asked for this” toca-me unicamente e incomparavelmente em relação a qualquer outra faixa. A melodia contém uma aura própria definitivamente diferente das outras, acabando por se sobressair das restantes. Quando vi o título, pensei que a música remetesse para a frase sexista que os homens costumam dizer às mulheres quando lhes fazem coisas pelas quais são responsáveis e tentam descartar essa responsabilidade. Não acertei totalmente, mas a letra proseia o quanto a sociedade espera que as raparigas cresçam rapidamente, mesmo quando não é tempo para isso («Go on and be a big girl/Or eveybody’s gonna drown you out»).
Ao passo que “Darling” é só uma música country que me aborrece profundamente, “1121” intrigou-me em demasia. A cantora descobriu que estava grávida em 21 de novembro (11/21), daí que esta canção se desenrole em poesia que espelha o amor que tem pelo o embrião que se formou dentro de si. Os ambientes alternativos e esotéricos da faixa completam uma sonância instigante ao ouvinte.
Devido aos ritmos pop, “honey”, por sua vez demonstrou-se, uma das minhas músicas favoritas do álbum. Seja pelo instrumental eufórico e animado ou pela composição selvagem e libertina contida na letra, a música sintetiza o conceito feminista de independência e liberdade que Halsey projeta ao longo do trabalho. A artista narra todo um envolvimento romântico e sexual com outra rapariga e demonstra-se orgulhosa e sem vergonha do sucedido (claro que não seria motivo para vergonha).
Identicamente, “I am not a woman, I’m a god” pode levar-nos a acreditar que estamos perante mais uma música que narra o poder feminino. No entanto, a própria cantora clarifica que a exaltação de poder presente na faixa não se aplica somente à mulher, mas sim a todo e qualquer género. Assim, assume-se como um verdadeiro poema musical sobre o que realmente é a igualdade. Talvez seja por isso que a cantora escolheu a faixa como single principal do álbum. De facto, sobram outras sinfonias que compõe este trabalho e por muito deleitáveis que sejam, acabam por se tornar faixas que completam espaços vazios e não contribuem com nada inédito tanto musicalmente como liricamente.
Como é percetível pela produção gráfica do álbum, a compositora Halsey inspirou-se na simbologia católica para criar o conceito visual deste trabalho. Da mesma forma, aplicou esse simbolismo, tenuemente, na eufonia de If I Can’t Have Love, I Want Power. Afinal de contas, juntamente com o álbum, foi lançado um filme de 53 minutos, criado pela própria cantora, que transpõe a mensagem das músicas para o ecrã. Em suma, o projeto mergulha no extasiante percurso que é a gravidez e ao mesmo tempo, entra rutura com o tradicional Complexo de Madonna-Prostituta. De acordo com Freud, este complexo consiste no seguinte: o homem tem duas mulheres na sua vida – a esposa, que ama profundamente, mas que não deseja sexualmente; e a amante, que deseja sexualmente, porém não a ama. O mesmo havia afirmado: «Quando esses homens amam eles não têm desejo e onde eles desejam não podem amar». Assim, as mulheres são rotuladas ou como santas e puras ou promiscuas e degradadas. Por muito ridículo que esta ideia nos possa parecer, se olharmos bem em redor, notaremos esta ideia presente tanto na ficção como em exemplos da vida real. Halsey atreve-se a quebrar esta dualidade e afirmar que as mulheres podem ser estas duas personagens ao mesmo tempo.
É bastante complexo ilustrar o quão excecional é este projeto em poucas palavras. Evidentemente, não vou afirmar que são as melhores músicas que já ouvi, mas quando unimos os instrumentais, as letras e todo o conceito presente no álbum, estamos perante uma obra de arte sem igual. Apesar de comunicar temas que não são novidade como o feminismo, a identificação e o poder pessoal, If I Can’t Have Love, I Want Power executa-os de um modo exclusivo e com um toque que só Halsey sabe dar. Ademais, são trazidos temas (quase tabus) como o nascimento e a gravidez para o universo musical. Sem sombra de dúvida, este é um projeto revolucionário em todos os seus elementos e merece ser apreciado do mesmo jeito poético que se exibe.
Álbum: If I Can’t Have Love, I Want Power
Artista: Halsey
Editora: Capitol Records
Data de Lançamento: 27 de agosto de 2021
Dezembro 10, 2022
Era se esperar. Um álbum de uma mulher que se conceptualiza na sua jornada identitária enquanto se confronta e supera as linhas de conduta atribuídas culturalmente a ser interpretado por um homem. Tanto que passou ao lado desta crítica. É a própria natureza da crítica ser parcial. Neste caso, com este conceito ficou demasiado empobrecida. Faltou noção. Faltou experiência. Faltou provavelmente humildade. Enfim. Termino a minha parcial aqui. Mas pelo menos assumida como tal.