Ao contrário do ministro da Ciência, o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas considera "um erro" abrir mais escolas de medicina.
O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, revelou, em entrevista ao Diário de Notícias, que o Governo quer criar três novas escolas de ensino da Medicina até 2023. O ministro acredita que “são precisos mais médicos em Portugal” e defende o alargamento e a modernização do ensino da Medicina.
Manuel Heitor espera chegar a 2023 “com a possibilidade, ou as oportunidades” de criar três novas escolas de ensino da Medicina, nomeadamente em Aveiro, Vila Real e na Universidade de Évora. O ministro acredita que os três novos centros vão “facilitar a capacitação científica para vir a alargar o ensino da Medicina, certamente de uma forma diversificada em relação ao que já se faz em Portugal”.
O responsável defende que “não se deve obrigar ninguém a trabalhar num regime ou no outro”, mas que Portugal necessita de mais médicos, o que tem de ser acompanhado com a “diversificação da oferta”. Comparando Portugal ao Reino Unido, o ministro afirma que “por opção das próprias instituições e também das ordens profissionais, formamos todos os médicos da mesma forma” por outro lado, no modelo britânico “o sistema está diversificado”. “Deveria ser feita em Portugal uma diferenciação da duração e do nível de exigência da formação de médicos consoante a especialidade”, declara.
Várias entidades manifestaram-se face as declarações do ministro. A presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina, Catarina Dourado, mostrou-se contra a opção do Governo de criar mais escolas médicas afirmando que “não é a aumentar o número de escolas médicas e, consequentemente, o número de estudantes de medicina que vamos aumentar o número de médicos em Portugal”.
A presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) também se manifestou. Saúda a ideia de alargar o ensino da Medicina no entanto avisa que “é necessário criar condições para assegurar o ensino de qualidade antes de dar esse passo”.
Mariana Gaio Alves destaca dois cuidados relacionados ao propósito de alargar o ensino da Medicina. Uma das preocupações está relacionada com a qualidade e estabilidade do corpo docente. A presidente do SNESup afirma ser “fundamental que exista um corpo docente estável nas escolas de medicina, porque é esse corpo docente estável que assegura o plano de estudo, a articulação entre as várias unidades curriculares, entre os vários estágios que os estudantes realizam”.
Por outro lado, a articulação entre a oferta no sistema de ensino e a procura no sistema de saúde também surge como uma inquietação da presidente. Mariana Gaio Alves defende “que a criação de nova oferta deve ter por base uma articulação entre o Ensino Superior e a Saúde, para que os novos cursos deem resposta às necessidades do setor, em vez de contribuírem para o excesso de médicos em determinadas especialidades, enquanto se mantém a falta de profissionais noutras”.
Por meio de um comunicado, publicado na quinta-feira, 2 de setembro e partilhado pela Escola de Medicina da Universidade do Minho, o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP) mostrou o seu descontentamento face às afirmações de Manuel Heitor acerca do ensino da Medicina em Portugal. Para o CEMP, a criação de novos cursos de medicina é “uma fixação” do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Em entrevista à LUSA, Fausto Pinto, diretor da Faculdade de Medicina de Lisboa e ex-presidente do CEMP, refere ser um “mito” a falta de médicos em Portugal. O diretor marca como principal problema a “má gestão dos recursos humanos”.
Segundo o CEMP, o número de graduados em Medicina tem sido superior ao número de vagas disponibilizadas para a formação pós-graduada, o que resulta num número cada vez mais elevado de médicos indiferenciados em Portugal, que não possuem a formação especializada necessária à eliminação das necessidades do país. Sendo assim, o “aumento de médicos em Portugal não depende do aumento de vagas para os cursos de Medicina, tutelados pelo MCTES, mas sim do aumento de vagas para a formação especializada, tutelada pelo Ministério da Saúde”, afirma.
No comunicado, o CEMP responde também a Manuel Heitor no que toca à sua afirmação de que, em Portugal, os médicos são formados da mesma forma: “no âmbito da sua autonomia científica, as Escolas Médicas Portuguesas incluem, nos seus planos de estudos, formação, quer obrigatória, quer optativa, adequada às que são as áreas de formação que, de acordo com o seu perfil institucional, consideram ser prioritárias, quer na formação global dos médicos, quer na formação para percursos alternativos à carreira assistencial”.
Por fim, o ex-presidente do CEMP defende que o processo de melhoramento do ensino da Medicina em Portugal deve “passar pelo reforço das atuais faculdades de medicina e pelo aumento da sua competitividade e capacidade de atração”. Fausto Pinto acredita que formar mais médicos seria condená-los ao “desemprego ou a terem que emigrar”. “Em vez de melhorar, é empobrecer. É um erro”, conclui.
A intenção do Governo em alargar o ensino da Medicina não é novidade. Manuel Heitor já tinha referido, no ano passado, que a manutenção das vagas nos cursos existentes reforçava a necessidade de disponibilizar o ensino desta área noutras instituições.
Por conseguinte, Fausto Pinto acusa o ministro de estar a tentar promover uma solução que visa “ter mão-de-obra mais barata” na Medicina. O ex-diretor considera também que a posição de Manuel Heitor está apenas baseada em “princípios ideológicos” e que não contribui para uma “discussão séria” sobre a formação em medicina.