What She Said presenteia-nos com uma comédia dramática focada no pós-pesadelo feminino que cada vez mais tem maior representação no mundo do cinema: a violação e as consequências jurídicas. A produção cinematográfica conta com um roteiro escrito por Jenny Lester, que interpreta a protagonista da obra.

Samantha (Jenny Lester) foi violada há um ano e agora vive num dilema: não sabe se deve continuar com as acusações contra seu agressor ou, simplesmente, se deve retirá-las e desistir. O problema complica-se quando os seus amigos e irmãos descobrem e decidem-se reunir para a fazer mudar de ideias.

Com uma premissa bastante simples e vaga à primeira vista, parece ser um filme que não traz muita história, mas no ecrã transforma-se em algo especial. A narrativa foca-se, sem dúvida, no sofrimento da protagonista, mas entrelaça-se numa teia de emoções que Sam transpassa aos amigos e como eles lidam – muito mal – com elas.

Desta forma, a falta de compreensão dos conhecidos da personagem principal é realçada logo no início da longa-metragem. Por extensão, é nos mostrada Sam, que, quando recebe a notícia de que o seu julgamento foi adiado, mais uma vez, decide dirigir-se para a cabana remota da sua família, na floresta da Virgínia. Obviamente, o objetivo da mesma é afastar-se de todas as pessoas da sua vida. Contudo, os planos da personagem são interrompidos pelo o irmão e amigos mais próximos de Sam.

Entre esta confusão de oito jovens de vinte e poucos anos, o humor funde-se com passados mal resolvidos, transformando a cabana numa autêntica panela de pressão (que, para piorar a situação, nem acesso a Wi-Fi tem). A necessidade em ajudar a amiga revela como um trauma pode ainda afetar uma pessoa depois desta, aparentemente, o ter superado. Porém o pior instala-se quando esse mesmo trauma afeta uma comunidade inteira, uma vez que os amigos e irmãos assumem o trauma de Sam como se fosse seu.

Este grupo de “apoiantes” é, verdadeiramente, exótico. Parece que foram selecionados a dedo, como se de participantes de um reality show se tratassem. A obra cinematográfica engloba todas as personagens cliché de uma comédia: o amigo homossexual “ridicularizado”; o homem hétero “másculo” que acha que sabe tudo o que as mulheres querem e precisam; a feminista “extrema” que prefere julgar a ouvir; o ex-namorado perfeito e, claro, a mean girl – que neste caso, não bastava ser cruel, é também casada com o irmão mais velho da protagonista. Seja qual for a personalidade representada, todas as personagens se conectam entre si com ajuda de muito álcool e de sessões de nostalgia.

A longa-metragem é, portanto, um drama familiar com um coração repleto de comédia negra feminina. A realizadora, também mulher, Amy Northup, quer contar uma história, muito humana, sobre uma mulher profundamente cheia de facetas, muitas vezes imperfeitas, e como a sua família desequilibrada, mas bem-intencionada, se reúne em volta dela.

Em termos técnicos, o recurso a demasiadas cenas de diálogo, sem música de fundo que ajudaria a acentuar a carga dramática do momento, torna o filme mais melancólico e aborrecido. A posição da câmara resume-se a focar na cara das personagens e, quase sempre, com a cozinha ou a sala de estar como fundo – não revelando grandes imagens cinematográficas, mas sim muito simples, como se de uma sit­­­­­­­­com se tratasse. As próprias músicas utilizadas serviram mais como representação da passagem do tempo e aqui, sim, são mostradas gravações de alto nível cinematográfico, sejam paisagens da floresta; o sol a pôr-se; ou a protagonista a pensar no tal acontecimento. Quanto ao talento de representação, destacam-se os protagonistas Jenny Lester e Britt Gordon, por transmitirem através do ecrã a frustração de sentirem o sofrimento um de outro e sem saber como apagá-lo.

Com uma duração superior a 90 minutos, não é, na minha modesta opinião, a melhor produção para um filme de domingo à tarde. Apesar de a situação problemática ter sido romantizada e suavizada devido à presença de humor, a obra cinematográfica não deixa de passar uma mensagem forte e de resiliência. Todavia, o assunto, mesmo que cada vez mais reiterado na sociedade, continua a ser discutido como sendo tabu e tudo o que a vítima faça pode resultar numa saída triunfante para o agressor – algo que What She Said sublinha, muitas vezes. Assim, ainda que a história deva ser lida, ouvida e discutida e o filme contribua, exatamente, para isso, em observação geral do mesmo, acho que podia ter sido muito mais interessante para o espetador.